Tribunal do crime: como funciona a justiça paralela do PCC, suspeita de ordenar a execução do assassino de estudante da USP

Prática é usada em situações que vão de invasão de biqueiras à cobrança por ‘caguetagem’

Sequestro, marcas de tortura, horas de cativeiro e uma comunidade controlada pelo crime organizado como cenário. Pelas características do crime, a Polícia Civil de São Paulo acredita que o assassino da estudante Bruna Oliveira da Silva, de 28 anos, foi executado pelo tribunal do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Segundo a polícia, o corpo de Esteliano José Madureira, de 43 anos, foi encontrado na noite de quarta-feira (23) na Avenida Morumbi, a cerca de 30 quilômetros do crime contra a jovem, em Itaquera. Tinha sinais de agressão e cerca de dez perfurações de arma branca – faca, espada ou objeto de fabricação caseira.

Esteliano José Madureira foi apontado pela Polícia Civil de São Paulo como o principal como o principal suspeito de ter matado a estudante Bruna Oliveira da Silva — Foto: Reprodução/ Polícia Civil

O delegado Rogério Thomaz, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), disse que Madureira foi “arrebatado”, ou sequestrado, na região do crime contra Bruna. Em seguida, levado a uma comunidade e depois encaminhado ao interior de Paraisópolis, a maior favela de São Paulo, com forte presença do PCC, onde possivelmente foi morto. Ficou em cárcere por, pelo menos, um dia.

Espécie de justiça paralela do crime organizado, o “tribunal do crime” é uma prática antiga, usada para mediar conflitos nas comunidades e nos presídios. O sistema de controle de comportamento e punições foi levado para fora das cadeias à medida que a organização ganhou força com o tráfico, no começo dos anos 2000.

Nas áreas controladas pelo PCC, polícia e população sabem que a facção estabelece as condutas de vida e as regras de morte. Nos “debates”, como são chamadas as sessões de julgamento, há respeito a ritos e hierarquia.

A promotora de Justiça Vania Caceres Stefanoni, atualmente no Tribunal do Júri de Guarulhos, área com alto índice de tribunais do PCC, explica que os “debates” são convocados mediante os mais variados crimes – desde a mera suspeita de um abuso sexual até invasão de biqueiras, confusão perto de pontos de venda de drogas, traição, dívida por drogas e roubos em locais controlados pelo PCC.

Imbróglios cotidianos costumam ser resolvidos numa “troca de ideias” informal com o “disciplina”, o mediador do conflito. A pena, nesses casos, não passa de um “puxão de orelha”. Se o delito é mais sério, como roubar alguém da favela, o “disciplina” convoca os envolvidos para o “debate”. A punição é dura, um “cacete” de pau ou até a autorização para quebrar partes do corpo, em geral braços ou pernas. Para crimes gravíssimos, a pena é a morte.

Segundo Vania, os alvos são arrebatados e levados para um local ermo, como um barraco dentro da comunidade ou algum imóvel escolhido. Depois de questionados sobre a acusação, são torturados física e psicologicamente para confessar o crime. Os criminosos, em geral, são em muitos e estão fortemente armados.

— Depois os cadáveres são ocultados, em regra enterrados. Para facilitar o transporte, são amarrados pelos punhos e tornozelos e encontrados em posição fetal — detalha Vania.

A ordem para execução, segundo ela, muitas vezes vem por telefone, de alguém que não está presente no “debate”. Algumas das penas de morte são frustradas pela vizinhança, que ouve os gritos e aciona a polícia.