Profissionais de serviços de atenção primária à saúde serão treinados para atuar em cuidados paliativos, com o objetivo de proporcionar mais qualidade de vida às pessoas com doenças graves. O novo ciclo do Projeto Cuidados Paliativos começa em 2026 em 20 estados. O projeto é uma parceria do Ministério da Saúde e do Hospital Sírio-Libanês, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS). 

Em entrevista à Agência Brasil, a paliativista e coordenadora médica do projeto no Sírio-Libanês, Maria Perez, informou que o primeiro encontro com as 20 secretarias estaduais de Saúde já foi realizado. Ela explicou que a compreensão mais frequente sobre os cuidados paliativos é que eles são utilizados apenas em pacientes terminais, sem chance de cura. Mas isso não é correto.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa é uma abordagem que foca a questão de qualidade de vida, olhando não só os sintomas físicos, mas também questões emocionais, sociais, espirituais dos pacientes e seus familiares, benéfica a todos os portadores de doenças graves. Esses cuidados devem ser oferecidos junto com o tratamento específico para a doença de base que o paciente tiver
“Quando a gente fala em abordagem de cuidados paliativos, não necessita necessariamente que seja um especialista em cuidados paliativos atuando. Mas que tenha esse olhar, pensando na qualidade de vida, trazendo a pessoa para o centro do cuidado, ter sempre uma atenção na comunicação e no manejo de sintomas”, afirmou Maria Perez.
Para ela, isso deveria acontecer desde o diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida. “Os pacientes precisam muito dessa abordagem de cuidados paliativos. Que ela seja ofertada no momento da terminalidade, mas não só”, acrescentou.
O projeto Cuidados Paliativos, via Proadi-SUS, começou a ser desenvolvido no Hospital Sírio-Libanês em 2020, envolvendo profissionais de hospitais, ambulatórios de especialidades e serviços de atendimento domiciliar. Mais de 10 mil profissionais de saúde do SUS participaram de capacitações ofertadas por meio do projeto e mais de 12 mil pacientes com demandas de cuidados paliativos foram identificados por esses serviços de saúde.
A iniciativa é focada na capacitação e na implementação de novos protocolos para atender a esse perfil de paciente. Em 2024, após o lançamento da Política Nacional de Cuidados Paliativos, o programa foi reformulado, transformando-se em projeto de apoio à política.
“Aí, a gente passou a trabalhar não só hospitais, ambulatórios de especialidades e serviços de atendimento, mas também unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e Serviços de Atendimento Móvel de Urgência (Samus), que têm atuação mais próxima às secretarias estaduais de Saúde”, disse
No ciclo iniciado em 2024, mais de 150 serviços de saúde de 19 estados e do Distrito Federal participaram do projeto, entre eles UPAs e serviços de Atendimento Médico de Urgência (Samus). Como se tratam de serviços de atendimento emergencial, Maria Perez conta que a primeira impressão foi de estranhamento. “Mas à medida que as equipes foram entendendo o conceito correto de cuidados paliativos, foram percebendo que já atendiam essas pessoas, com crises de dor e falta de ar e que acionam o Samu”, acrescentou.
“A gente teve a participação de 49 hospitais, 54 serviços de atendimento domiciliar, 11 ambulatórios, 19 UPAs e 16 Samus espalhados pelo Brasil. Agora, estamos esperando a indicação das secretarias sobre quais são os serviços que vão participar no próximo ano”, disse a especialista. A expectativa é que, ao final de 2026, o projeto deverá alcançar um terço das macrorregiões do país.
A partir de agora, com a ação mais próxima às secretarias estaduais de Saúde, a ideia é fortalecer o trabalho em toda a rede. “Porque daí a gente consegue garantir ou buscar essa continuidade de cuidado, essa qualidade assistencial”, disse ainda Maria Perez.
Pioneirismo
Um dos primeiros serviços a receber o projeto foi o Samu 192 – Regional do Alto Vale do Paraíba, no estado de São Paulo. Para Rita de Cássia Duarte, enfermeira e supervisora do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no Vale do Paraíba, a iniciativa foi um divisor de águas, trazendo benefícios para o serviço, para a população e toda a atenção básica.
“Para os profissionais que atuam com urgência e emergência, cuidados paliativos eram algo muito novo. De maneira geral, o foco desse profissional sempre foi salvar vidas e lidar com situações de risco imediato, e não acompanhar pacientes com condições irreversíveis. Havia uma dificuldade em entender que há limitação e que, em alguns casos, não haverá intervenções curativas, mas, ainda assim, haverá cuidado, acolhimento e atenção a um perfil específico de paciente”, disse Rita de Cássia.
Avanços
Maria Perez avaliou que o Brasil tem avançado muito na pauta de cuidados paliativos. “Antigamente, a gente falava e a pessoa não sabia nem do que estávamos falando. Hoje em dia, como o assunto tem estado mais na mídia, os profissionais têm procurado entender”.
De acordo com a especialista, um dos principais pontos trabalhados na capacitação é a identificação da demanda, para que os profissionais consigam identificar os pacientes que precisam desses cuidados e qual a melhor forma de oferecê-los. A formação parte de ferramentas com base científica, mas também ressalta a importância de haver “um momento para conversar com o paciente e familiares para entender as condições biográficas e de valores, do que é importante para o paciente, o que é qualidade de vida para ele”, enfatizou.
Juntando essas informações com o paciente e a família, o profissional poderá entender qual é o melhor tratamento para aquela pessoa. “É o que a gente chama de cuidado centrado na pessoa: tem a ver com a história de vida do paciente e seus valores, não só com questões biológicas”. A partir daí, o profissional deve fazer o planejamento de cuidados, considerando a doença de base do paciente e as possibilidades de tratamento, com a relação risco benefício de cada uma delas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que cuidados paliativos constituem uma abordagem voltada para reduzir o sofrimento de pacientes com doenças que ameaçam a vida, proporcionando a melhor qualidade de vida, inclusive no final da existência dessa pessoa. Estima-se que mais de 73 milhões de pessoas no mundo necessitam de cuidados paliativos a cada ano. Ainda de acordo com a OMS, cerca de 20 milhões de pessoas morrem anualmente com dor e sofrimento devido à falta de acesso a cuidados paliativos e ao alívio da dor.
O projeto resultou na produção e publicação de um Manual de Cuidados Paliativos, adotado como referência na apresentação da nova política no SUS, publicado em 2023.
