Uma equipe de cientistas brasileiros, liderada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), viajou à região central da Romênia para uma missão ambiciosa: escavar cavernas na Transilvânia em busca de vestígios de neandertais.
O projeto, focado em um período de cerca de 40 mil anos atrás, no Paleolítico Superior, busca preencher uma lacuna na história da evolução humana: a falta de fósseis de Homo neanderthalensis propriamente ditos na Romênia, apesar de inúmeras evidências de sua presença e interação com os Homo sapiens que chegavam à Europa. A expedição representa um marco para a paleoantropologia brasileira, inserindo nosso país em um cenário de pesquisa historicamente dominado por instituições europeias e americanas.
Conforme publicado no Jornal da USP, a pesquisa é liderada pelos professores Walter Neves, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, e André Strauss, do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP. Durante 18 dias, a equipe brasileira, que também contou com cientistas da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), trabalhou em colaboração com pesquisadores romenos da Universidade Valahia de Târgoviște e da Universidade de Bucareste.
O foco foram as cavernas da Garganta do Vârghiş, um cânion com mais de 120 grutas que pode ter servido como um “condomínio” pré-histórico para diferentes grupos de hominínios.
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Cânion na Romênia pode ter servido como “condomínio” pré-histórico
A escolha da Romênia, e especificamente da região dos Balcãs, não foi aleatória. “O leste da Europa, em especial a região dos Balcãs, é um hotspot para procurar essas duas espécies convivendo; por isso nós fomos para lá”, explicou o professor Walter Neves. Evidências arqueológicas e genéticas apontam fortemente que foi nessa área do Leste Europeu que Homo sapiens e neandertais conviveram e, inclusive, acasalaram, entre 50 mil e 40 mil anos atrás.

Outros grupos de pesquisa já encontraram na Romênia três crânios de Homo sapiens antigos que continham traços genéticos e morfológicos de neandertais, reforçando a tese dessa miscigenação.
Apesar dessas pistas robustas, o osso de um neandertal ainda não foi encontrado em território romeno. A parceria entre brasileiros e romenos visa justamente expandir as escavações na Garganta do Vârghiş para tentar localizar esse elo perdido.
Os pesquisadores romenos que atuam na área desde 2014 já desenterraram dezenas de ferramentas de pedra lascada da “indústria musteriana”, típica dos neandertais, além de ossos de animais extintos como ursos-das-cavernas, leões e rinocerontes peludos, que habitavam a região e competiam por abrigo com os hominínios.
O que a escavação já revelou?
Durante a expedição, os cientistas escavaram duas grutas principais: a Tătarului e a Peștera 1 (Caverna 1). Nelas, foram encontrados diversos vestígios paleontológicos, incluindo um úmero de urso-das-cavernas pré-histórico (Ursus spelaeus) com idade aproximada de 42 mil anos, descoberto pelo arqueólogo Gustavo Neves de Souza, da Univasf.
Embora o tão sonhado fóssil de neandertal ainda não tenha aparecido, o geólogo Giancarlo Scardia (Unesp) descreve o local como ideal: “Era como se fosse um condomínio fechado da época, onde os hominínios ocupavam várias cavernas, fácil de se defender e no meio de uma área de caça”.

Segundo o professor Walter Neves, estabelecer um projeto de paleoantropologia no “Velho Mundo”, um campo de pesquisa já “fatiado” entre grandes equipes internacionais, eleva a ciência brasileira a um novo patamar.
“Existe uma outra coisa que o Brasil nunca teve, que é esse soft power, de você ser reconhecido como uma equipe que tem um projeto paleoantolopológico no Velho Mundo”, avalia Neves. Essa presença, que já havia sido estabelecida pela equipe na Jordânia, agora se consolida também no Leste Europeu, elevando a relevância internacional da pesquisa feita no Brasil.
