“Lobo” das Ilhas Malvinas era raposa domesticada na América do Sul

Um novo estudo publicado no Biological Journal of the Linnean Society revelou que o chamado lobo” das Ilhas Malvinas – considerado o único mamífero nativo do arquipélagonão era um lobo, mas, sim, a última população sobrevivente de uma espécie de raposa domesticada na América do Sul.

Por muito tempo, acreditava-se que o animal, conhecido cientificamente como Dusicyon australis, fosse uma espécie própria, que teria se separado das raposas sul-americanas há cerca de 16 mil anos. No entanto, novas análises genéticas e arqueológicas indicam que ele era descendente direto do Dusicyon avus, uma espécie domesticada por caçadores-coletores sul-americanos antes mesmo da domesticação dos cães.

Ilhas Malvinas
Espécie desembarcou nas Ilhas Malvinas há anos (Imagem: Juergen Brand/Shutterstock)

Raposa sul-americana? Qual é a história dela, então?

  • Essas raposas foram encontradas em tumbas humanas, sugerindo que viviam como animais de estimação;
  • Quando parte dessa população se estabeleceu nas Ilhas Malvinas, manteve o comportamento domesticado e a ausência de medo dos humanos – o que acabou se tornando fatal com a chegada dos colonizadores europeus no século XVII;
  • Charles Darwin foi um dos poucos humanos a observar o chamado lobo-das-Malvinas em vida;
  • Ele acreditava que o isolamento do animal o havia tornado destemido diante de pessoas e previu que essa característica levaria à sua extinção, o que, de fato, ocorreu;
  • O que Darwin não sabia é que a docilidade do animal não era fruto do isolamento, mas de um passado de convivência com os humanos.

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“Quando colonos europeus chegaram às praias das Malvinas, encontraram uma criatura de pelagem castanha, semelhante a um lobo, do tamanho de um pequeno labrador”, afirmou o professor Samuel Turvey, pesquisador do Instituto de Zoologia da ZSL e autor principal do estudo, ao IFLScience.

Desenho do lobo das Ilhas Malvinas por JG Keulemans, publicado em 1890 em “Dogs, jackals, wolves, and foxes”, monografia dos canídeos (Imagem: Bilblioteca ZSL)

“Assim como o famoso dodô, acreditava-se que milênios de evolução sem predadores haviam gerado um animal completamente destemido diante das pessoas, mas a realidade era mais complexa – e mais trágica.”

Segundo Turvey, “a simpatia que tornou esse canídeo um alvo fácil para caçadores não se devia à falta de contato com humanos, mas ao fato de que ele um dia viveu ao nosso lado”.

O pesquisador destacou ainda que essa descoberta “não é apenas um desfecho comovente para uma história trágica”, mas, também, “muda fundamentalmente nossa compreensão sobre o que levou essa espécie à extinção e tem implicações mais amplas para o estudo de extinções causadas por humanos hoje”.

Renomear a espécie?

Com a nova descoberta, os cientistas recomendam que a espécie D. avus passe a ser oficialmente chamada de D. australis, reconhecendo que se trata do mesmo animal. O entendimento revisado de sua história evolutiva pode ajudar a refinar estratégias de conservação de espécies atuais.

Reconstrução artística de um Dusicyon avus
Reconstrução artística de um Dusicyon avus (Imagem: Juandertal/CC BY-SA 4.0)

“Não podemos trazer o lobo das Malvinas de volta, mas sua história nos ajuda a proteger a vida selvagem que ainda temos hoje”, disse Turvey. “Ao aprimorar nossa base de conhecimento sobre a vulnerabilidade das espécies, podemos prever melhor como elas respondem à pressão humana e planejar ações de conservação de forma mais eficaz.”