PCC consolida poderio na Baixada Santista com controle de porto e da ‘rota caipira’

O domínio do PCC na Baixada Santista consolidou-se a partir do interesse estratégico pelo Porto de Santos, porta de saída da cocaína para Europa, África e América do Norte

FOLHAPRESS) – A região da Baixada Santista, onde foi assassinado o ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz, é vista como estratégica para o tráfico internacional de drogas praticado pelo PCC (Primeiro Comando da Capital).

© Reuters

Criado em 1993 num contexto de protesto contra as condições do sistema prisional, a facção definiu o tráfico de drogas como sua principal atuação dez anos depois, quando Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, assumiu a liderança do grupo.
Até que o tráfico na Baixada Santista fosse dominado pela organização criminosa, especialistas elencaram à reportagem uma série de eventos que passam pelo crescimento e internacionalização do PCC.

Um marco para a história da facção, de acordo com os especialistas, foi o atestado de força dado com os ataques de maio de 2006, quando 564 pessoas foram mortas e 74 presídios paulistas sofreram com rebeliões.

“É o momento em que o PCC sai de dentro dos presídios e vai para as ruas mostrar a sua força. De lá para cá, ele ficou mais rico, com mais drogas, e com mais estrutura”, diz Ivana David, desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A partir de 2007, com a entrada no mercado internacional de drogas por meio de negociações com criminosos da Bolívia e do Paraguai, o domínio da Baixada Santista entrou na mira da organização, ainda segundo os especialistas, por causa do Porto de Santos, principal ponto de exportação do Brasil e por onde o PCC, hoje, exporta cocaína para Europa, África e América do Norte.

“Para descer com a droga [até os cargueiros], eles sabiam que precisavam tomar a região do Porto de Santos. Eles passaram a se instalar em comunidades ali em Cubatão, Guarujá, onde tem morro e mangue, para se proteger e se esconder. Ali começaram o domínio que se estendeu também por São Vicente e Praia Grande”, diz Ivana.

Foi em 2016, com o assassinato de Jorge Rafaat Toumani, chefe do tráfico na fronteira com o Paraguai, que a facção passou a deter o controle da chamada “rota caipira”, como ficou conhecido o trajeto que leva a droga dos países sul-americanos até o Porto de Santos.

“O Rafat era o intermediário do PCC na fronteira. Quando o PCC manda matar [o Rafat], passa a controlar a rota. Hoje, eles [do PCC] decidem o que passa e o que não passa nesse caminho que percorre Bolívia, Paraguai, Mato Grosso do Sul e segue para São Paulo pela fronteira seca”, afirma o analista criminal Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para Guaracy, além do comando da rota caipira, outro episódio que contribuiu com o domínio absoluto na Baixada Santista foi a soltura de um dos líderes do PCC, Rogério Jeremias de Simone, conhecido como Gegê do Mangue, em 2017, e a atuação dele para que a facção ampliasse a exportação para o mercado europeu.

“Gegê deu um start mais forte para o tráfico na Europa para os primeiros acordos em grande escala. Com essa entrada no comércio europeu, eles precisavam de um controle maior da região. As favelas ali em Santos e Guarujá passaram a se tornar ainda mais interessantes como pontos de partida para levar drogas até os navios”, acrescenta ele.

O jornalista Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP e coautor do livro “A Guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”, complementa a importância de Gegê do Mangue para o PCC na área por creditar a ele a imposição do monopólio da facção nas exportações na área.

Isso teria fortalecido a organização, por um lado, e criado uma rixa com outros exportadores de drogas que atuavam na região e mantinham esquemas paralelos de venda. “André do Rap, Fuminho, Cara Preta e Cabelo Duro eram alguns dos principais exportadores de drogas e são todos da região da Baixada. Quando o Gegê saiu da prisão, brigou com esses caras e foi morto justamente por esse grupo da Baixada”, diz Paes Manso.

O monopólio, no entanto, se manteve. Segundo a Autoridade Portuária de Santos, em agosto deste ano o porto movimentou 29% da economia nacional, com a exportação de mais de 40 milhões de toneladas de diversos produtos entre janeiro e agosto de 2025.

Até o ano passado, o Ministério Público de São Paulo calculava que cerca de 60% da cocaína exportada para a Europa sai do Porto de Santos.

Ruy considerado um dos maiores especialistas no PCC, foi morto na noite de segunda-feira (15) em Praia Grande.

Um dos suspeitos do crime, segundo investigadores, já passou pela ala de um presídio ligado à facção. O elo entre a organização criminosa e o assassinato não foi confirmado, e embora autoridades já tenham se manifestado sobre a atuação do PCC no litoral, os especialistas ouvidos pela reportagem pregam cautela.

Para Ivana, que já trabalhou em conjunto com Ferraz e acompanha o PCC desde a sua criação, o assassinato do delegado não apresenta “o perfil” dos crimes cometidos pela facção. “O PCC é voltado para o tráfico internacional, não quer barulho e uma cidade saturada de polícia, piorando o trânsito e atrapalhando a distribuição das drogas. Para a facção essa movimentação não interessa, tanto que quando tem operação, o crime encolhe e espera tudo passar”, afirma.

Paes Manso concorda que não é comum que a cúpula da facção ordene mortes de autoridades, ressaltando que foram poucos, e datados, os casos ao longo dos mais de 30 anos de existência da organização criminosa. “Não é tão corriqueiro na história do PCC”, observa.

“É uma estratégia que eles sabem que gera perdas, prejuízo e que eles só usam de forma esporádica.”