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Uma reanálise de medições da missão Cassini, da NASA, publicada nesta quarta-feira (17) na revista Nature por uma equipe liderada pela agência com pesquisadores da Universidade de Washington, EUA, conclui que Titã – a maior lua de Saturno – provavelmente não abriga um vasto oceano líquido sob sua crosta gelada.
Em vez disso, o interior do corpo celeste deve ser dominado por uma camada espessa e viscosa, semelhante a lama gelada, com túneis e bolsões de água de degelo próximos ao núcleo rochoso.
A descoberta partiu do estudo do “atraso” nas marés de Titã à medida que a lua é comprimida e esticada pela gravidade de Saturno, o que revelou uma dissipação de energia incompatível com um oceano global.

Em resumo:
- O atraso de cerca de 15 horas entre a força de maré máxima de Saturno e a deformação de Titã indica um interior muito mais viscoso que água líquida;
- A dissipação de energia medida não combina com um oceano global – o modelo favorece uma mistura espessa de gelo e lama;
- Essa camada pastosa incluiria túneis lamacentos e bolsões de água de degelo perto do núcleo rochoso;
- Pequenos reservatórios podem concentrar nutrientes e atingir temperaturas amenas, ampliando cenários de habitabilidade;
- Os achados devem orientar a futura missão local Dragonfly, da NASA, e pesquisas sobre mundos gelados.
Como a sonda Cassini expôs o interior da lua Titã
Desde a década de 2000, dados de rádio e gravidade da sonda Cassini sugeriam que as marés de Titã eram grandes demais para um corpo totalmente congelado, levando à hipótese de um oceano sob a superfície.
No entanto, ao ajustar modelos para reproduzir as propriedades físicas observadas, os pesquisadores perceberam que um oceano global não explicava tudo. O fator decisivo veio quando a equipe incorporou o tempo à análise: a deformação máxima de Titã ocorre com atraso em relação ao pico da atração gravitacional de Saturno – como mover mel com uma colher, em que a resposta é mais lenta que a da água.

Medir esse atraso permitiu estimar quanta energia se perde ao “amassar” Titã a cada órbita. O resultado foi surpreendente. “Ninguém esperava uma dissipação de energia tão forte no interior de Titã. Essa foi a prova cabal de que o interior de Titã é diferente do que se inferia de análises anteriores”, afirmou Flavio Petricca, pesquisador de pós-doutorado no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), da NASA, e autor principal do estudo, em um comunicado.
O cenário que melhor casa com os dados é o de uma camada espessa, lamacenta e gelada, que ainda contém água, mas se comporta como um material mais rígido e viscoso. “Em vez de um oceano aberto como o que temos aqui na Terra, provavelmente estamos falando de algo mais parecido com gelo marinho no Ártico ou aquíferos, o que tem implicações para o tipo de vida que podemos encontrar, mas também para a disponibilidade de nutrientes, energia e assim por diante”, disse Baptiste Journaux, professor assistente de ciências da Terra e do espaço da Universidade de Washington.
Para sustentar as conclusões, a equipe combinou as medições de rádio da Cassini em sobrevoos de Titã com dados termodinâmicos gerados em laboratório. O grupo de Journaux estuda como água e minerais se comportam sob pressões extremas, simulando ambientes extraterrestres. “A camada aquosa em Titã é tão espessa, a pressão é tão imensa, que a física da água muda. A água e o gelo se comportam de maneira diferente da água do mar aqui na Terra”, explicou. Ele acrescenta: “Podemos ajudá-los a determinar qual sinal gravitacional eles deveriam esperar ver com base nos experimentos realizados aqui na UW. Foi muito gratificante.”

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Titã é o único mundo, além da Terra, com líquidos estáveis na superfície — não água, mas metano e etano, que formam lagos e até chuva em temperaturas médias extremamente baixas. Sob o gelo, porém, o novo estudo favorece paisagens internas com canais lamacentos e bolsões de água. Em vez de um oceano amplo e homogêneo, esses reservatórios menores poderiam concentrar nutrientes e, em certos pontos, atingir temperaturas surpreendentemente amenas, em torno de 20°C, aumentando a chance de processos biológicos simples.
“A descoberta de uma camada pastosa em Titã também tem implicações empolgantes para a busca por vida além do nosso sistema solar”, diz Ula Jones, coautora e estudante de pós-graduação da Universidade de Washington. “Ela amplia a gama de ambientes que podemos considerar habitáveis.” Não se trata de esperar “peixes” nadando sob o gelo, mas de imaginar ecossistemas microscópicos semelhantes aos extremos polares da Terra, onde a vida encontra caminhos em cantos improváveis.
As conclusões reposicionam a missão Dragonfly, da NASA, com lançamento previsto para 2028. Ao pousar em Titã, o robô poderá investigar a química orgânica da superfície e, indiretamente, testar hipóteses sobre o interior e a dinâmica das marés. A estratégia de buscar sinais de habitabilidade em bolsões e fraturas, em vez de um oceano global, ajuda a afinar instrumentos e prioridades científicas.
