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Pela primeira vez na história, astrônomos observaram a atmosfera de um exoplaneta escapando continuamente, formando estruturas complexas que se estendem por milhões de quilômetros.
Cientistas da Universidade de Genebra (UNIGE) e do Centro Nacional de Competência em Pesquisa PlanetS, na Suíça, em parceria com pesquisadores do Instituto Trottier de Pesquisa em Exoplanetas (IREx) da Universidade de Montreal (UdeM), no Canadá, utilizaram o poderoso Telescópio Espacial James Webb (JWST), da NASA, para monitorar de forma constante a atmosfera de um exoplaneta “Júpiter ultraquente” enquanto ela “vazava” para o espaço.
A impressionante descoberta revelou que o gigante gasoso WASP-121b não tem uma, mas sim duas imensas caudas de hélio que se estendem por mais da metade de sua órbita. Publicados na revista Nature Communications, esses resultados, combinados com avançados modelos numéricos, oferecem o retrato mais detalhado já obtido do processo de fuga atmosférica, um fenômeno crucial que pode reescrever a história de um planeta.

- O JWST realizou a observação contínua mais longa da atmosfera de um exoplaneta, cobrindo uma órbita completa de WASP-121b;
- Duas caudas de hélio distintas, uma posterior e outra anterior, foram detectadas, estendendo-se por mais de 100 vezes o diâmetro do planeta;
- WASP-121b é um “Júpiter ultraquente” que orbita a estrela hospedeira em apenas 30 horas, levando a uma intensa perda atmosférica;
- A radiação estelar aquece a atmosfera a milhares de graus, fazendo com que gases leves como hélio escapem continuamente;
- Esse escape atmosférico prolongado pode alterar fundamentalmente o tamanho e a composição do planeta ao longo de bilhões de anos.
Decifrando as caudas gasosas e o destino dos planetas distantes
WASP-121b pertence à categoria dos Júpiteres ultraquentes, gigantes gasosos que orbitam tão perto de suas estrelas que completam uma volta em somente 30 horas. Essa proximidade resulta em uma irradiação estelar extrema, aquecendo a atmosfera do planeta a milhares de graus.
Sob tanto calor, gases leves como o hidrogênio e o hélio não conseguem ser retidos pela gravidade do planeta, escapando para o espaço em um fluxo constante. Ao longo de vastas eras, essa “evaporação” atmosférica pode modificar drasticamente o tamanho, a composição e, consequentemente, o futuro de um mundo.

Até o momento, os cientistas só conseguiam vislumbrar esses processos de escape atmosférico durante os raros “trânsitos” – quando o planeta passa em frente à sua estrela, bloqueando parte de sua luz. Essas observações eram breves e fragmentadas, impedindo a compreensão da extensão e da dinâmica desses fluxos gasosos. No entanto, o Espectrógrafo de Infravermelho Próximo (NIRISS) do JWST permitiu uma observação sem precedentes: quase 37 horas contínuas de WASP-121b, cobrindo mais de uma órbita completa.
Ao rastrear a assinatura do hélio no infravermelho, os astrônomos confirmaram que o gás se estende muito além dos limites do planeta. O mais surpreendente, no entanto, foi a revelação de duas caudas distintas: uma “posterior”, empurrada para trás pela pressão da radiação e pelo vento estelar, e uma “anterior”, curvada à frente do planeta, provavelmente atraída pela gravidade da estrela. Juntos, esses fluxos de gás cobrem uma distância impressionante, superior a 100 vezes o diâmetro daquele objeto e mais de três vezes a distância entre ele e sua estrela-mãe.
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Descoberta é um divisor de águas para a astrofísica
“Ficamos extremamente surpresos ao ver quanto tempo durou o escape de hélio”, explicou Romain Allart, pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Montreal e principal autor do artigo, em um comunicado. “Essa descoberta revela a complexidade dos processos físicos que moldam as atmosferas dos exoplanetas e sua interação com o ambiente estelar. Estamos apenas começando a desvendar a verdadeira complexidade desses mundos.”

Os modelos numéricos desenvolvidos no Departamento de Astronomia da Universidade de Genebra, que já foram fundamentais para interpretar observações anteriores, agora enfrentam um novo desafio. Enquanto conseguem explicar caudas simples em formato de cometa, a estrutura dupla de WASP-121b exige uma nova abordagem. “Essa descoberta indica que a estrutura desses fluxos resulta tanto da gravidade quanto dos ventos estelares, tornando essencial uma nova geração de simulações 3D para a análise de sua física”, pontuou Yann Carteret, doutorando da UNIGE e coautor do estudo.
A capacidade de detectar hélio e monitorar seu escape com a sensibilidade única do JWST é um divisor de águas para a astrofísica. Essa tecnologia abre caminho para compreendermos como a vida e a evolução planetária são moldadas em outros sistemas solares. Futuras observações serão cruciais para determinar se a estrutura de cauda dupla de WASP-121b é um fenômeno raro ou comum entre os exoplanetas “quentes”.
Além de ampliar nosso conhecimento sobre planetas distantes, esse estudo também nos ajuda a entender melhor a dinâmica do nosso próprio sistema solar. Cada nova descoberta nos leva um passo mais perto de decifrar as condições que permitem o surgimento e a sustentação da vida, e como nosso Universo vasto e complexo realmente funciona.
