Conheça o plano brutal das facções para dizimar corpos

Os assassinatos de pessoas sentenciadas por facções criminosas vão além de execuções violentas e revelam um padrão crescente de brutalidade após a morte. Para ocultar crimes, eliminar vestígios e dificultar investigações, integrantes de organizações criminosas têm recorrido a práticas extremas, incluindo a redução de cadáveres a pó.

Em entrevista ao Metrópoles, o delegado Caio Albuquerque, titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Cuiabá, afirmou que esse tipo de ocultação passou a se tornar mais frequente em Mato Grosso a partir de 2021 e hoje é alvo recorrente de investigações da unidade.

“A gente percebe esse desaparecimento de corpos principalmente de 2021 para cá, sendo que a maioria das vítimas é submetida a um ritual de crueldade”, afirmou o delegado.

Tribunal do crime e ritual de violência

Segundo Caio Albuquerque, antes de chegarem aos chamados cemitérios clandestinos, as vítimas — em sua maioria rivais de facções inimigas do Comando Vermelho (CV), que domina a região — passam pelo chamado “tribunal do crime”. Nessa etapa, os criminosos submetem o alvo a tortura física e psicológica enquanto lideranças, muitas vezes presas, decidem a sentença.

“Essas pessoas são condenadas à morte com aval de lideranças presas. Em seguida, os criminosos recorrem a decapitações, amputações e ao desmembramento para viabilizar a ocultação dos corpos em locais que, na maioria das vezes, não conseguimos localizar”, detalhou o delegado.

Matas, valas e fogo

Após o esquartejamento, os corpos são descartados em áreas isoladas. Matas fechadas em zonas rurais, casas abandonadas e regiões afastadas de centros urbanos são os locais mais utilizados para a criação de cemitérios clandestinos. Em alguns casos, as vítimas chegam a ser obrigadas a cavar a própria cova antes da execução.

Além do enterro ilegal, o fogo também é utilizado para destruir vestígios. De acordo com o delegado, os criminosos recorrem à queima dos corpos como forma de carbonização, em uma espécie de cremação irregular, com o objetivo de dificultar a identificação e apagar provas.

Obstáculo às investigações

A principal finalidade dessas práticas, segundo a Polícia Civil, é impedir que o homicídio seja oficialmente constatado. Sem a localização do corpo, a apuração do crime se torna mais complexa e, muitas vezes, depende apenas do registro de desaparecimento feito por familiares.

“Quando não se tem a localização de um corpo, não há uma comunicação imediata do homicídio. A apuração passa a depender das informações da família”, explicou Caio Albuquerque.

O delegado destaca que o maior desafio é comprovar a ocorrência do homicídio sem a materialidade do corpo. Para isso, são necessárias testemunhas ou provas indiretas, o que é raro diante do medo de represálias imposto pelas facções.

Apesar das dificuldades, ele afirma que as investigações seguem avançando e podem resultar na condenação dos responsáveis, evitando que essas práticas distorçam as estatísticas oficiais de homicídio.

Cemitérios clandestinos descobertos

Em outubro deste ano, a Polícia Civil do Rio de Janeiro localizou um cemitério clandestino no Morro do Jordão, em meio a uma área de mata. No local, foram encontrados esqueletos humanos e um poço com cerca de 30 metros de profundidade, que, segundo os investigadores, era utilizado para ocultar corpos de vítimas da facção.

Já em Mato Grosso, uma investigação da Polícia Civil levou à descoberta de um “cemitério do tráfico” usado por integrantes do Comando Vermelho nas regiões de Confresa e Araguaia. Em uma área de mata a cerca de 22 quilômetros do perímetro urbano, os agentes encontraram dois corpos enterrados, sendo um deles decapitado.

A descoberta foi possível após meses de trabalho de inteligência, com análise de denúncias, movimentações suspeitas e levantamento de informações que indicavam a existência de um ponto de desova na região.