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Cientistas da Michigan State University (MSU) (EUA) desenvolveram um mini coração humano em laboratório capaz de reproduzir a fibrilação atrial, conhecida como A-fib, um tipo de arritmia caracterizada por batimentos irregulares e frequentemente acelerados.
A condição afeta cerca de 60 milhões de pessoas em todo o mundo, mas não recebe novos tratamentos há pelo menos 30 anos, em grande parte pela falta de modelos precisos do coração humano para pesquisa.
O avanço é resultado de estudos liderados pelo pesquisador Aitor Aguirre, professor associado de engenharia biomédica e chefe da divisão de biologia do desenvolvimento e de células-tronco do Institute for Quantitative Health Science and Engineering da MSU, que desde 2020 trabalha no desenvolvimento de pequenos modelos tridimensionais funcionais do coração humano, conhecidos como organoides.
Recentemente, esses organoides passaram a ser modificados para replicar a fibrilação atrial, abrindo novas possibilidades para o estudo da doença e o desenvolvimento de terapias.

Organoides do tamanho de uma lentilha
- Com aproximadamente o tamanho de uma lentilha, os organoides cardíacos são tão precisos que permitem aos pesquisadores estudar o desenvolvimento do coração, doenças e respostas a medicamentos de maneiras que antes não eram possíveis, explica o MedicalXpress;
- O batimento rítmico dessas estruturas é suficientemente forte para ser observado a olho nu, sem o uso de microscópio;
- Os organoides são produzidos a partir de células-tronco humanas doadas, capazes de se diferenciar em diversos tipos celulares e fundamentais para o crescimento e a reparação de tecidos ao longo da vida;
- Segundo os pesquisadores, trata-se de verdadeiros mini corações, com estruturas semelhantes a câmaras e redes vasculares que incluem artérias, veias e capilares.
Inclusão de células do sistema imunológico no mini coração
O mais recente marco do laboratório de Aguirre foi alcançado pelo estudante de medicina osteopática e pesquisador Colin O’Hern, que adicionou células do sistema imunológico aos organoides. No desenvolvimento do coração humano, essas células imunes, chamadas macrófagos, ajudam a garantir o crescimento e a formação adequados do órgão.
Com a inclusão dessas células, os pesquisadores conseguiram induzir inflamação nos organoides, provocando um batimento cardíaco irregular que imita a fibrilação atrial. De acordo com O’Hern, o novo modelo permite observar diretamente o funcionamento de tecido cardíaco humano vivo, algo que não era possível até agora.
“Quando adicionamos moléculas inflamatórias, as células cardíacas começaram a bater irregularmente. Então, introduzimos um medicamento anti-inflamatório e o ritmo normalizou parcialmente. Foi incrível ver isso acontecer”, afirmou.
Atualmente, os tratamentos disponíveis para fibrilação atrial tendem a atuar apenas nos sintomas, e não nos mecanismos subjacentes da doença. O desenvolvimento de novos medicamentos enfrenta dificuldades porque não existem modelos animais confiáveis que reproduzam com precisão a condição. Para Aguirre, o novo modelo pode mudar esse cenário.
“Este novo modelo consegue replicar uma condição que está no cerne dos problemas médicos de muitas pessoas”, disse o pesquisador. “Ele vai possibilitar muitos avanços médicos, de modo que os pacientes podem esperar um desenvolvimento terapêutico acelerado, mais medicamentos chegando ao mercado, medicamentos mais seguros e também mais baratos, porque as empresas poderão desenvolver mais opções.”
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Avanços no entendimento do coração
No estudo, O’Hern e os demais pesquisadores demonstraram que células imunes inatas de longa duração, residentes em órgãos específicos, ajudam a orientar o desenvolvimento e o ritmo do coração. Essas descobertas também contribuem para a compreensão das origens de distúrbios cardíacos congênitos, que estão entre os defeitos de nascimento mais comuns em humanos.
Os cientistas avançaram ainda mais ao desenvolver um sistema capaz de “envelhecer” os organoides, fazendo com que se assemelhem a corações adultos. Isso foi alcançado pela exposição das estruturas a níveis de inflamação semelhantes aos que levam à fibrilação atrial.
Para demonstrar a utilidade prática do modelo, a equipe introduziu um medicamento anti-inflamatório que, com base nos resultados do estudo, era previsto como eficaz no tratamento da A-fib. O tratamento restaurou o ritmo cardíaco normal nos organoides.
Segundo Aguirre, a adição de células imunológicas torna os modelos mais fisiologicamente precisos do que nunca.
“Agora estamos vendo como o próprio sistema imunológico do coração contribui tanto para a saúde quanto para a doença”, afirmou. “Isso nos dá uma visão sem precedentes de como a inflamação pode causar arritmias e como os medicamentos podem interromper esse processo.”
Impacto para pesquisas e tratamentos futuros
A ausência de modelos humanos fisiologicamente precisos e a impossibilidade de testar diretamente em corações humanos têm limitado, por décadas, a descoberta de novas terapias para arritmias como a fibrilação atrial.
“Nosso novo modelo de organoide de coração humano está prestes a acabar com essa seca de 30 anos sem a necessidade de novos medicamentos ou terapias”, disse Aguirre.
As tecnologias de organoides humanos desenvolvidas pelo grupo estão alinhadas à missão New Approach Methodologies, do National Institutes of Health (NIH), que busca modernizar a pesquisa translacional e melhorar a capacidade preditiva de testes pré-clínicos nos Estados Unidos.
Atualmente, pesquisadores da MSU colaboram com empresas farmacêuticas e de biotecnologia para testar compostos e garantir que eles não causem danos ao coração ao mesmo tempo em que previnem arritmias.

O grupo de Aguirre já publicou diversos estudos na área, consolidando a Michigan State University como uma referência global em pesquisas com organoides cardíacos humanos. Segundo o pesquisador, novos avanços devem ser anunciados em breve.
“Nossa visão a longo prazo é desenvolver modelos cardíacos personalizados derivados de células de pacientes para medicina de precisão e gerar tecidos cardíacos prontos para transplante um dia”, afirmou Aguirre.
Além de Aguirre e O’Hern, também participaram do estudo Christopher Contag, Nureddin Ashammakhi e Sangbum Park, do Institute for Quantitative Health Science and Engineering da MSU; Nagib Chalfoun, da Corewell Health; e Chao Zhou, da Washington University.
Os resultados do estudo foram publicados na revista científica Cell Stem Cell.
