Roger Abdelmassih é um dos criminosos retratados na série Tremembé, da Prime Vídeo, que estreou na última sexta-feira (31/10). O ex-médico ficou conhecido nacionalmente após ser condenado por estuprar 37 mulheres, pacientes de sua clínica de fertilização.
Uma das vítimas de Abdelmassih foi a estilista Vana Lopes, que foi a primeira paciente a denunciá-lo. No depoimento, ela contou como foi o primeiro encontro com o médico e o impacto que os abusos tiveram na vida dela.
“Eu era uma jovem bonita, vaidosa, estilista, vivia na Europa, sempre muito comunicativa e acostumada a receber elogios. Quando eu entrava em um lugar, era comum atrair a atenção dos homens. Nunca vi isso como algo agressivo, por isso não achei estranho quando o médico Roger Abdelmassih começou a me encarar”, contou, em dezembro de 2016, em um depoimento comovente à Marie Claire.


1 de 3
Roger Abdelmassih foi condenado a 181 anos de prisão
Reprodução/Senad

2 de 3
Roger Abdelmassih alegou risco de morte súbita e pede prisão domiciliar
Evelson de Freitas/ Estadão

3 de 3
Anselmo Vasconcelos é responsável por dar vida ao ex-médico Roger Abdelmassih em Tremembé
Divulgação/Prime Video
Vana procurou o criminoso com a esperança de realizar o sonho de ter um filho biológico. Na época, ela estava casada há sete anos e tinha uma filha adotiva. Junto com o marido, decidiu procurar uma clínica de reprodução assistida após não conseguir engravidar naturalmente.
“Eu estava focada no meu objetivo e só conseguia pensar nos meus bebês. Nas consultas, ele fazia parecer que eu já estava grávida e desacreditava de tudo que os outros médicos haviam dito. Garantia que eu sairia dali com filhos. Para ele, nada era obstáculo”, seguiu no relato posteriormente reproduzido no livro Tremembé, do jornalista Ullisses Campbell.
De acordo com a estilista, as consultas com Roger Abdelmassih eram marcadas por promessas. “Ele me perguntava: ‘Você já tem nome para as crianças?’. E eu: ‘crianças? Eu pensei que era só uma…’. ‘Você vai sair daqui com gêmeos!’, prometeu o médico. Saímos de lá já pensando em apelidos. Visualizávamos os bebês, dávamos nomes, criávamos personalidades para aquele sonho”.
Outro grande problema era o alto custo dos tratamentos. Na entrevista, Vana relatou que o processo de fertilização custava aproximadamente o valor de um imóvel na praia. Além disso, o médico insistia que as pacientes a pagar por três tentativas.
Leia também
“Ele nos colocou contra a parede: ‘Você prefere ver o mar ou o sorriso dos seus filhos?’. É claro que escolhi os meus meninos. Fomos direto à minha agência bancária e fechamos três tentativas de fertilização. Três! Ele praticamente exigia isso, alegando que diminuía a ansiedade da primeira tentativa. Às vezes me sinto uma idiota por não ter percebido. Ele me preparava para ter até quadrigêmeos, e eu visualizava tudo como se já estivesse grávida”, relembrou.
Atenção! A partir daqui, este texto pode despertar gatilhos sobre abusos sexuais.
Abusos
Uma das partes mais comoventes do depoimento de Vana Lopes retrata o abuso cometido por Roger Abdelmassiih. Ela precisava ir à clínica diariamente para tomar injeções hormonais. Na primeira tentativa, precisou tomar altas doses, acompanhadas de anestesia para suportar a dor. Na segunda, ela chegou a engravidar, mas perdeu o bebê no estágio inicial.
Na terceira vez, Vana tomou uma medicação antes do procedimento e foi levada para a sala de inseminação. Quando abriu os olhos, se deparou com o médico em cima dela.
“Estava lúcida, mas completamente imóvel. Não conseguia mover um músculo nem pronunciar uma palavra. Minha mente estava confusa. Por um momento, achei que fosse sintoma da gravidez. Ao abrir os olhos, vi tudo: um monstro sobre mim, me violentando. Ele me virava e eu não conseguia reagir”, contou.
“Fez sexo anal, vaginal, lambia meu rosto, fazia o que queria. Eu seguia paralisada. Quando terminou, o vi indo para o banheiro. Eu estava em estado de choque. Consegui me mover, vesti a roupa às pressas e desci as escadas tropeçando. Uma enfermeira me perguntou o que havia acontecido. Eu disse: ‘fui violentada’. Ela não acreditou ou fingiu não acreditar“, completou.
Após o crime, Vana sentiu fortes dores na barriga e foi levada ao hospital, onde descobriu que estava à beira de uma infecção generalizada. “Durante o estupro anal, ele levou uma bactéria do ânus para a minha vagina, que estava sensibilizada pela inseminação. Como eu havia tomado hormônios para estimular os ovários, essa bactéria foi absorvida e se multiplicou. Em uma semana, se espalhou pelo corpo.”
A estilista precisou ser operada e perdeu as trompas, os ovários e “a esperança de ter um filho biológico”. O impacto do abuso fez Vana abandonar a carreira a se culpar pelo que aconteceu. “Me autossabotei. Comia compulsivamente para ficar feia. Cheguei a pesar 150 quilos. Parei de ir a consultas médicas, deixei de visitar amigos, não saía de casa. Passei quatro anos trancada, sem sequer descer à portaria”, detalhou.
Denúncia
Na primeira denúncia contra Roger Abdelmassih, Vana Lopes foi desacreditada pela polícia. “Relatei tudo ao delegado, que disse que eu estava delirando. ‘Ele é o médico das estrelas. Jamais faria isso’, disse o policial.”
Em 2009, após várias denúncias contra o médico surgirem, ela voltou ao Departamento de Polícia com a cópia do boletim de ocorrência que fez na época do crime. Na ocasião, descobriu que o boletim registrado anos antes sumiu da delegacia e chocou a então delegada ao mostrar a cópia.
O que aconteceu com Abdelmassih
O ex-médico foi preso inicialmente em 2009, mas, na época, conseguiu responder em liberdade. Em 2010, foi condenado a 278 anos, mas recorreu. Em 2011, enquanto tentava emitir um passaporte, teve o habeas corpus revogado e passou à condição de foragido.
Ele se encondeu no Paraguai, país em que viveu com a esposa e dos filhos até 2014, quando foi localizado em Assunção pela Polícia Federal brasileira em parceria com a Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai.
Roger Abdelmassih foi deportado para o Brasil e levado até Foz do Iguaçu. De lá, foi transferido para Tremembé, prisão onde permanece até hoje. Ele foi localizado graças à denúncia de Vana, que o procurou incansavelmente até ele ser preso.
Vana morreu em 28 de janeiro de 2023, em decorrência de um câncer de mama. Na época das denúncias, ela criou um grupo que ajudava pessoas vítimas de abuso sexual. “A cada sorriso que recebo de uma vítima acolhida, é como se eu estivesse parindo uma nova criança. É muito bom aliviar a dor de alguém.”
			        
			        
								