Um quarto dos municípios tem estrutura de promoção da igualdade racial

Enquanto todas as unidades da Federação dispunham de estrutura operacional para tratar da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial no ano passado, apenas 1.331 municípios (24% do total) estavam preparados para isso. Os dados constam nas pesquisas de Informações Básicas Estaduais (Estadic) e Municipais (Munic), divulgadas nesta sexta-feira (31) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A Região Sul do país apresentava a menor proporção de cidades com estrutura (15,4%), e a Nordeste, a maior (32,2%).

A gerente de Pesquisas de Indicadores Sociais do IBGE, Vânia Pacheco, afirmou à Agência Brasil que o que se percebe é que, embora o número de municípios com estrutura para tratar da política de igualdade racial não seja tão expressivo, “a gente já tem no país estados e municípios se dedicando à estrutura, políticas e programas voltados para a política de igualdade racial, preocupados com o tema, para que ele esteja presente na gestão”.

No ano passado, somente nos estados do Maranhão, Ceará e Bahia, a política de igualdade racial era tratada por secretarias exclusivas. Já no Paraná, Pará e Rio Grande do Norte, o tema era trabalhado por secretarias em conjunto, ou seja, com várias políticas dentro da mesma secretaria, como uma secretaria de direitos humanos e igualdade racial, por exemplo.

“Na verdade, a política de igualdade racial é transversal a todas as outras políticas públicas vigentes, como educação, saúde, transportes, habitação, direitos humanos, assistência social. Em todas essas políticas públicas, você enxerga o traço da política pública de igualdade racial. Quando a gente fala que, em 2024, eram 1.331 municípios com estrutura para tratar dessa política, é pouco”, admitiu a pesquisadora do IBGE.

Ela destacou, porém, que a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, como política pública, é relativamente nova no Brasil, e por isso, considerou que já é um bom sinal ter 1.331 municípios que possuem na sua estrutura organizacional um espaço específico para tratar desse assunto.

“Isso leva tempo. A mesma coisa ocorreu com a política pública de assistência social”, lembrou. “É a mesma coisa com a igualdade racial. É um trabalho de formiguinha a construção de uma política pública. Para ela ser plantada, organizada e trabalhada, leva tempo”.

Além disso, na análise de Vânia Pacheco, o fato de ser ainda um número reduzido não quer dizer que aquele município não trata nada de igualdade racial. “Ele trata disso dentro da assistência social, dentro da educação, dentro da saúde negra, dentro da saúde. Mas estrutura leva um tempo para que se apresente em todos os municípios”.

São Paulo (SP), 25/07/2025 - Pessoas participam da Marcha das Mulheres Negras. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Pessoas participam da Marcha das Mulheres Negras em São Paulo. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Gestores

Entre os gestores de igualdade racial nos estados, a maioria era branca em 11 unidades federativas, preta em nove e parda em cinco. Na maioria dos estados (20), os gestores eram do sexo feminino. Somente um gestor se declarou quilombola, no Maranhão.

Já sobre os 1.331 municípios que declararam possuir órgão gestor da igualdade racial, em 982 (73,8%) os gestores eram mulheres e, em 348 (26,1%), eram homens.

Nos municípios, 102 disseram ser quilombola ou pertencente a um povo de comunidade tradicional de matriz africana ou povo de terreiro, dos quais 60 se encontravam na Região Nordeste. Segundo Vânia, a maior presença de gestores negros, indígenas, quilombolas, ciganos ou de comunidades tradicionais leva um tempo também para ser construída.

Órgão gestor

A Estadic mostra que em todas as 27 unidades federativas, o órgão gestor da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial tinha programas e ações para a população negra e para povos e comunidades tradicionais de matriz africana ou povos de terreiros. Em alguns estados, entretanto, ciganos, indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais não foram contemplados por esses programas e ações. Entre os municípios, 1.061 (79,7%) possuíam órgão gestor da política de promoção da igualdade racial.

O Plano Municipal de Igualdade Racial estava presente em 133 municipalidades (2,4% do total). Por grandes regiões, a menor proporção de cidades com plano desse tipo foi encontrada no Sul do país (1,6%), e a maior, no Nordeste (2,9%). Isso ainda é o reflexo da política de igualdade racial, que é nova no país, reforçou Vânia Pacheco.

Entre os estados, somente o Rio Grande do Norte e o Paraná tinham Fundo de Igualdade Racial no ano passado, cuja origem dos recursos orçamentários era o próprio estado. Em seis unidades da Federação, as verbas com essa destinação eram oriundas da União ou de entidades privadas.

Já entre as 149 cidades com fundo, o Conselho Municipal de Igualdade Racial respondia pela gestão orçamentária do fundo em 102 municípios, enquanto em 97 os recursos orçamentários eram próprios da localidade e, em 79, o fundo recebia recursos orçamentários e de outras fontes.

Rio de Janeiro - Mães e familiares de jovens negros mortos por policiais protestam contra a violência com ativistas da Anistia Internacional em frente à Igreja da Candelária (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Mães e familiares de jovens negros mortos por policiais protestam contra a violência com ativistas da Anistia Internacional em frente à Igreja da Candelária Fernando Frazão/Agência Brasil/Arquivo

Denúncias

Dentre os 24 estados que possuíam estrutura para receber, registrar e acompanhar denúncias de violação de direitos étnico-raciais em 2024, os órgãos mais citados foram a ouvidoria de direitos humanos e os conselhos ou comissões de cidadania, informados por 14 unidades federativas. Já o Acre, Tocantins e Sergipe relataram não ter estrutura para receber esse tipo de denúncia.

Considerando os 1.775 municípios (32%) com órgão responsável por receber, registrar e acompanhar denúncias de violação de direitos étnico-raciais, o órgão mais citado por 1.458 cidades foi o serviço de assistência social, seguido de conselhos, comitês e comissões de cidadania, apontados por 291 municípios. Das 1.775 cidades, a maior parte, ou o equivalente a 35,3%, estavam localizados na Região Centro-Oeste, seguida da Nordeste (33,7%) e Sudeste (32,7%).

A gerente de Pesquisas de Indicadores Sociais do IBGE explicou que os canais existentes não recebem somente denúncias de igualdade racial.

“Eles começam como um canal de recebimento de denúncias de direitos humanos, qualquer tipo de denúncia. Com o crescimento da política de igualdade racial e, também, com o crescimento da conscientização das pessoas de que racismo é crime, isso se torna mais presente nesses canais de denúncia. Então, é natural que um número maior de municípios tenha mais canais para recebimento de denúncias também de igualdade racial”.

Políticas e programas 

Foram investigados 19 programas ou políticas voltadas à igualdade racial. A Estadic mostra que enquanto Rondônia não desenvolveu nenhuma das políticas ou programas enumerados, os estados da Bahia e Espírito Santo realizaram sua totalidade.

Já o número de municipalidades que não desenvolveu nenhuma política ou programa de igualdade racial surpreendeu os pesquisadores, somando 3.591.

“Não é porque o estado faça que os municípios vão fazer”, disse Vânia, que destacou que os municípios tratam também de outras coisas e não só do tema da igualdade racial em seus programas.

Reserva de vagas

As pesquisas revelam ainda que 2.483 municípios realizaram concurso nos últimos 24 meses para a administração direta, mas somente 686, ou 27,6% dos que realizaram concurso, disseram ter vagas para negros, quilombolas, indígenas e ciganos. Em 569, a reserva de vaga era apenas para pessoas negras.

Já em 48 municipalidades, havia reserva de vagas para quilombolas; em 105, para indígenas; e em 11, para ciganos.

Oito estados não previram reserva de vagas para essas populações, e 14 fizeram reserva de vagas em seus concursos.

“É uma construção que vem sendo feita. É pouco, mas já é um sinal de que alguns municípios já estão tratando como política, já têm estrutura, pensam na questão das reservas de vagas, assim como estados”.