Num feito que demonstra o poder da vigilância cidadã no espaço, o astrônomo amador Scott Tilley, conhecido por monitorar satélites como hobby, descobriu que a rede secreta de satélites Starshield, da SpaceX, está transmitindo sinais em frequências proibidas internacionalmente. A descoberta, publicada no repositório de pesquisa Zenodo, expõe uma potencial violação regulatória e levanta questões sobre as práticas operacionais da empresa de Elon Musk.
Tilley detectou o sinal incomum na faixa de 2.025-2.110 MHz – um espectro que, segundo regulamentos internacionais, deveria estar em silêncio absoluto para transmissões do espaço para a Terra. “Bang, surgiu uma identificação incomum que eu não esperava”, relatou Tilley à NPR.
A descoberta é particularmente significativa porque esta faixa de frequência é reservada pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) exclusivamente para “uplinks” – comunicações da Terra para o espaço – e para enlaces entre satélites autorizados. Não existe qualquer previsão nos regulamentos da UIT para transmissões “downlink” (espaço-Terra) nessa banda.
“Fortes emissões de banda larga na banda S foram detectadas por satélites associados à constelação Starshield”, explicou Tilley em seu artigo. “Essas emissões exibem características Doppler e níveis de potência consistentes com transmissões diretas espaço-Terra.”

Constelação da Spacex
Segundo a SpaceX, a constelação Starshield utiliza a tecnologia Starlink e sua capacidade de lançamento para apoiar os esforços de segurança nacional. Enquanto o Starlink é projetado para uso doméstico e comercial, o Starshield é projetado para uso governamental.

Das 193 naves espaciais catalogadas na constelação Starshield, Tilley descobriu que impressionantes 170 estão transmitindo irregularmente na banda S. Até o momento, não existe nenhum registro público no Registro Internacional Mestre de Frequências da UIT autorizando essas transmissões.
Especialistas se dividem sobre por que a SpaceX estaria operando nessa frequência proibida. Kevin Gifford, professor de ciência da computação na Universidade do Colorado e especialista em interferência de rádio, sugeriu à NPR que a empresa pode estar simplesmente se aproveitando da banda silenciosa e preocupando-se com as permissões posteriormente.
Já Tilley levanta a possibilidade de ser uma tática deliberada de ocultação. “Pode ser que estejam tentando esconder o Starshield de observadores”, especulou. A opção é particularmente intrigante considerando que as velocidades de transmissão nessa frequência seriam comparáveis às ultrapassadas redes 3G – tornando-a inadequada para operações que requeiram grande volume de dados.

A operação não autorizada evidencia uma lacuna preocupante entre a rápida implantação de megaconstelações satelitais privadas e os mecanismos de coordenação internacional projetados para prevenir interferências.
“Se confirmado, isso evidenciaria uma lacuna entre a implantação prática de grandes constelações modernas e os mecanismos de coordenação internacional destinados a evitar interferências prejudiciais”, alerta Tilley em sua pesquisa.
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A descoberta ocorre em um momento crítico para a governança espacial global, com empresas privadas lançando constelações de milhares de satélites enquanto agências reguladoras lutam para acompanhar o ritmo da inovação comercial.
A SpaceX não se manifestou publicamente sobre as descobertas, deixando em aberto se a operação na frequência proibida foi um erro técnico, uma tentativa de ocultação ou simplesmente uma decisão de seguir a filosofia “é melhor pedir perdão do que permissão” que caracterizou parte da trajetória da empresa.
Enquanto isso, a comunidade de astrônomos amadores prova mais uma vez seu valor como vigilantes do espaço, demonstrando que mesmo os programas mais secretos não passam despercebidos pelos olhos atentos de entusiastas dedicados.