Moradores e MTST travam “guerra” por moradias em Rio Branco, e MPAC é acionado para intervir; VÍDEO

Conflito tomou conta do acampamento Marielle Franco, onde famílias disputam quem terá direito às casas do programa Minha Casa Minha Vida

Um clima de tensão tomou conta do acampamento Marielle Franco, localizado no bairro Defesa Civil, em Rio Branco, nesta sexta-feira (24). O Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) esteve no local para dialogar com os moradores, e a reportagem do ContilNet acompanhou a situação de perto.

Moradores e MTST travam “guerra” por moradias em Rio Branco, e MPAC é acionado para intervir/Foto: ContilNet

Famílias que vivem na área — também conhecida como o antigo bairro Orleir Cameli — mas que não integram o acampamento, protestaram contra a possibilidade de o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) definir os critérios de distribuição das mais de 200 moradias que serão construídas no terreno pelo programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal.

O terreno, atualmente ocupado por centenas de famílias, ainda pertence oficialmente ao Governo do Estado, que em 2023 se comprometeu a doá-lo para a construção das casas. Em setembro do mesmo ano, a Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) aprovou o projeto de lei que autoriza a concessão da área — de 29.474,69 m² — à Associação Esperança de um Novo Milênio, ligada ao MTST. A proposta busca reduzir o déficit habitacional na região. Entretanto, como os trâmites legais ainda não foram concluídos e o contrato com a Caixa Econômica Federal — responsável pela gestão do programa — não foi assinado, a área segue sob domínio do Estado.

Cozinha Solidária do MTST está localizada dentro do terreno em disputa/Foto: Gabriel Bader/Orna Audiovisual

O MTST, representado por Jamyr Rosas, defende que os critérios de entrega das casas devem partir da associação, já que as unidades serão construídas pela modalidade Minha Casa Minha Vida – Entidades, voltada a famílias organizadas por associações ou cooperativas sem fins lucrativos.

Jamyr explicou que o movimento já iniciou as negociações nessa modalidade e que, para serem contempladas, as famílias devem acumular pontos de acordo com a participação nas atividades promovidas pela entidade.

“Desde o início a gente sempre deixou claro que o Estado tem seus critérios, o governo federal, através da Caixa Econômica, tem seus critérios, e o movimento tem seus critérios. A gente sustenta isso, a gente não vai mudar em relação a isso. A gente sempre deixou claro que cada um é independente. Aqui é uma modalidade chamada Minha Casa Minha Vida Entidades, e a entidade tem seus critérios. O critério da entidade é pontuação. Tudo aquilo que você participa, você pontua”, afirmou o ativista, que tem sido acusado por parte dos moradores de perseguição.

Jamyr Rosas é o responsável pelo acampamento do MTST no local e está sendo acusado de perseguição pelos moradores que não fazem parte do movimento/Foto: Gabriel Bader/Orna Audiovisual

“Nós não utilizamos [os critérios] como o Estado e a Prefeitura utilizam, que é sorteio. É essa forma que nós trabalhamos e que vamos continuar trabalhando. O MPAC pode fazer os questionamentos dele, agora nós estamos seguros até mesmo porque já entregamos 50 mil casas no Brasil. Aqui são 330 cadastrados para esse projeto, e aqueles que estão mais pontuados é que vão receber a sua moradia”, acrescentou.

Segundo Jamyr, não é possível contemplar pessoas que não atendam aos critérios da associação. No entanto, ele afirmou estar disposto a seguir outro formato — como o sorteio — caso o MPAC determine.

Moradores não aceitam que os critérios para distribuição de casas sejam definidos pelo MTST/Foto: Gabriel Bader/Orna Audiovisual

“A questão é: se você não está pontuando, eu tenho que justificar para a Caixa Econômica, para o Ministério das Cidades e até mesmo para o Ministério Público, se ele questionar a gente, qual o critério que foi utilizado. Então eu não posso simplesmente dar uma casa para a pessoa porque eu gosto da pessoa ou por qualquer outro motivo. A gente pode utilizar a outra modalidade que o Estado utiliza, que é o sorteio. Então faz o sorteio, entendeu? Inclusive, a gente deixa para o Ministério Público se posicionar, qual o critério que ele quer que a gente utilize. Se o Ministério Público disser que é esse critério, nós vamos adotar e seguir o critério que ele escolher”, pontuou.

Por outro lado, o aposentado Francisco Adeilson, que representa o grupo de moradores contrários às regras do MTST, criticou o método de pontuação e as decisões de Jamyr.

“Tem que ser o certo pelo certo, porque a gente vive aqui há mais de cinco anos. Então, uma pessoa que nunca pisou aqui e é amiga do Jamyr vai ganhar uma casa? Isso é uma coisa muito errada, desumana, que ele está fazendo contra o povo que mora aqui. A gente já vive abandonado, não tem rua, não tem esgoto, não tem nada. A gente quer uma agenda com o governador pra sair do sufoco. Tem gente adoecendo e não pode dizer que a moradia é sua”, disse o morador.

Francisco acusa Jamyr de perseguição/Foto: Gabriel Bader/Orna Audiovisual

“O velho Jamyr deu uma ordem pra venderem a casa e sair. Tem casa desmanchada. Quem é ele pra tirar alguém daqui? Ele não pode fazer isso. E vive iludindo o povo. Estamos enganados há muito tempo. Quem trabalha na cozinha [do MTST] ganha ponto, e nós que não trabalhamos perdemos. Eu queria entender esse negócio de ponto, porque isso vale pra curso, faculdade. A gente quer que o Estado veja isso com carinho, por nós. Vivemos jogados dentro do mato, não tem rua e não tem nada. Isso é uma perseguição”, completou.

O que diz o MPAC

O MPAC esteve no local representado pelo promotor Thales Ferreira, titular da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, que afirmou estar acompanhando o caso para garantir o cumprimento da lei e os direitos das famílias.

“O Ministério Público tem o dever de fiscalizar o cumprimento correto da lei, e a gente sabe até o momento que este terreno, o governador do Estado autorizou que fosse doado para uma entidade, e que essa entidade deveria construir casas pelo programa Minha Casa Minha Vida”, explicou.

O promotor Thales Ferreira disse que o papel do MPAC é garantir os direitos da população/Foto: Gabriel Bader/Orna Audiovisual

“Agora cabe ao Ministério Público acompanhar e monitorar, junto à Secretaria de Estado de Habitação e Urbanismo [Sehub], à Caixa Econômica e ao Ministério das Cidades, os critérios de beneficiamento das famílias que serão contempladas. É da competência da promotoria de Direitos Humanos, quando existe algum conflito urbano ou rural pela posse da terra ou por moradia, intervir para evitar qualquer tipo de conflito. Então o Ministério Público foi incitado a vir aqui hoje, ouvir a população, saber dos procedimentos e acompanhar essa ação”, afirmou.

Thales destacou que a função do MPAC é verificar se os critérios previstos em lei estão sendo respeitados.

Moradores não aceitam que os critérios para distribuição de casas sejam definidos pelo MTST/Foto: Gabriel Bader/Orna Audiovisual

“O MP entende que os critérios são legais, eles estão postos na lei. Nós temos o programa Minha Casa Minha Vida nas suas várias modalidades, e cada uma delas define seus critérios. Cabe ao Ministério Público apenas observar se esses critérios estão sendo seguidos. O Ministério Público não cria um critério — ele apenas fiscaliza o cumprimento correto da lei”, pontuou.

Durante o diálogo com a comunidade, o promotor entrou em contato com a Sehub, que se comprometeu a repassar os critérios adotados para a distribuição das moradias.

MPAC foi acionado para intervir na situação/Foto: Gabriel Bader/Orna Audiovisual

“A Sehub se comprometeu a nos passar os critérios que foram adotados, as condicionalidades que antecederam a lei autorizativa desse terreno. O Ministério Público quer, sobretudo, garantir moradia digna e adequada para essas pessoas que vivem aqui há tanto tempo, que criaram suas famílias nesse lugar e têm nele o seu território de pertencimento. O MP quer assegurar esse direito humano fundamental”, destacou.

Por fim, o promotor explicou os próximos passos do processo até o início das obras.

“A matrícula desse imóvel ainda consta em nome do Estado. Para que seja transferido à associação, os projetos de loteamento e construção precisam ser aprovados pela Caixa Econômica Federal. Após essa aprovação, é assinado um contrato entre a associação e o Ministério das Cidades. Com o contrato registrado na matrícula do terreno, a área é oficialmente doada à associação, garantindo, por fim, o processo de construção das moradias”, concluiu.

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