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Crânios: arqueólogos decifram ritual de dois mil anos na Espanha

Crânios: arqueólogos decifram ritual de dois mil anos na Espanha

Um estudo recente publicado no Journal of Archaeological Science oferece novas interpretações sobre um antigo ritual macabro observado na Península Ibérica, há cerca de dois mil anos. Em regiões que hoje correspondem à Catalunha (Espanha), arqueólogos descobriram crânios humanos exibidos publicamente, alguns atravessados por pregos de ferro.

Esses restos mortais, datados da Idade do Ferro (aproximadamente entre 800 a.C. e 218 a.C.), foram encontrados desde 1904 em diversos assentamentos e, até então, dividiam especialistas entre duas hipóteses: seriam relíquias veneradas de ancestrais ou troféus de guerra usados para intimidar inimigos.

Mapa indicando onde ficam os sítios arqueológicos
Figura representando localizações (esquerda) dos sítios apresentados neste trabalho: Puig Castellar e Ullastret; no lado direito: também estão representadas as formações geológicas do NE Ibérico (à direita) por período geológico (Imagem: M. Eulàlia Subirà)

Rubén de la Fuente-Seoane, arqueólogo da Universidade Autônoma de Barcelona e autor principal do novo estudo, propõe uma leitura mais complexa. Para ele, o significado das cabeças depende de a quem elas pertenciam e de onde eram colocadas. “Nosso estudo mostra que pode ser um erro ter de escolher apenas uma opção”, afirmou o pesquisador ao The New York Times.

Como os pesquisadores chegaram à conclusão sobre os crânios

Para distinguir entre crânios locais e estrangeiros, os pesquisadores analisaram a proporção de isótopos de estrôncio e oxigênio no esmalte dentário, substâncias que funcionam como marcadores geológicos e ambientais.

O estrôncio, presente na água e no solo, é incorporado aos dentes durante a infância e indica onde uma pessoa cresceu. O oxigênio, por sua vez, reflete fatores climáticos, como altitude e proximidade do mar. Juntas, essas análises permitem reconstruir a história geográfica de um indivíduo.

Maxilar inferior do Indivíduo 39, encontrado no local de assentamento de Puig Castellar, com uma marca de corte de decapitação visível em seu queixo (Imagem: M. Eulàlia Subirà)

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Quatro crânios de Puig Castellar, encontrados em locais de destaque próximos às muralhas e à entrada principal, foram submetidos a essa técnica.

Três deles — de um adolescente e dois adultos com menos de 35 anos — eram provavelmente de pessoas vindas de outras regiões, enquanto o quarto, de idade indeterminada, parecia pertencer a um habitante local. De acordo com de la Fuente-Seoane, a exibição dos crânios de estrangeiros em locais tão visíveis tinha um caráter simbólico: demonstrar força e dissuadir inimigos internos e externos.

Em Ullastret, três crânios atravessados por pregos também foram examinados. Todos pertenciam a adultos com menos de 40 anos. Dois deles eram de residentes locais e foram encontrados em casas, possivelmente como uma forma de homenagear membros importantes da comunidade.

O terceiro, de origem estrangeira, foi descoberto em uma vala fora das muralhas, o que indica que também pode ter sido um troféu de guerra, embora colocado em um ponto menos visível. O arqueólogo sugeriu que essa prática poderia estar relacionada à tradição gaulesa de usar cabeças humanas como oferendas religiosas ou despojos de guerra guardados em covas.

“Alguns textos clássicos mencionam o uso de óleo de cedro no tratamento de cabeças preservadas mantidas como troféus”, lembrou de la Fuente-Seoane. Um estudo de 2016 investigou resíduos orgânicos em crânios de Ullastret, mas não encontrou vestígios dessa substância.

Próximas etapas

Apesar dos avanços, o pesquisador destacou que mais análises são necessárias para confirmar as conclusões iniciais.

Jordi Principal, diretor do Museu de História da Catalunha, disse ter ficado surpreso com a possibilidade de as duas práticas — culto aos mortos e exibição de troféus — coexistirem.

Ele observou que “a evidência parece sugerir que talvez nem todas as tribos considerassem essa prática da mesma forma, o que provavelmente era determinado pelo contexto sociocultural de cada comunidade”. Ainda assim, acrescentou, a finalidade das exibições parecia ser a mesma: expressar e projetar poder.

Pedaços do crânio do Indivíduo 389 de Puig Castellar, com furo de prego visível próximo à frente (Imagem: M. Eulàlia Subirà)
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