Surpresa em lua de Saturno pode revolucionar a busca por vida fora da Terra

Um artigo publicado no periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences revela que Titã, a maior lua de Saturno, desafia uma das regras mais conhecidas da química: o princípio básico de que certas substâncias simplesmente não se misturam.

Segundo a descoberta, em condições extremamente frias, compostos que normalmente se repeliriam conseguem se combinar. Isso pode mudar a forma como cientistas entendem a química tanto de Titã quanto da própria Terra primitiva.

Representação artística das montanhas e o mar de metano na lua Titã, com vista de Saturno ao fundo. Crédito: RyanRad – Shutterstock

Em resumo:

  • Titã, a maior lua de Saturno, surpreende cientistas ao desafiar leis químicas conhecidas;
  • Em seu ambiente extremamente frio, substâncias que normalmente se repeliriam poderiam se misturar;
  • Estudo mostra que lá o cianeto de hidrogênio interage com metano e etano líquidos;
  • Essa reação inédita indica que regras químicas universais podem falhar em mundos gelados;
  • A descoberta amplia as possibilidades de existência de vida em Titã e além.

O que tem de diferente em Titã

Normalmente, substâncias polares e apolares não se misturam – como acontece com água e óleo. As polares têm cargas elétricas distribuídas de forma desigual, com um “lado positivo” e outro “negativo”. Já as apolares têm cargas simétricas. Por isso, as polares costumam se atrair entre si e rejeitar as apolares.

No entanto, de acordo com a nova pesquisa, essa regra não vale sob as temperaturas congelantes de Titã, onde fenômenos químicos incomuns podem ocorrer.

Visão hipotética a partir da superfície de Titã, uma das luas de Saturno, local propício para existência de vida. Crédito: RyanRad – Shutterstock

A equipe investigou o que acontece com o cianeto de hidrogênio, uma substância polar que se forma na atmosfera fria da Lua e cai sobre a superfície em forma de cristais. Ali, ela entra em contato com lagos e chuvas compostos por metano e etano líquidos, que são apolares. Os cientistas descobriram que, nessas condições, o cianeto de hidrogênio pode se misturar a esses hidrocarbonetos, algo que seria considerado impossível em ambientes terrestres.

Em um comunicado, o químico Martin Rahm, da Universidade de Tecnologia Chalmers, na Suécia, disse que o achado mostra que mesmo leis consideradas universais na química podem ter exceções. “Este é um bom exemplo de quando os limites são ultrapassados e regras aceitas nem sempre se aplicam”.

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Titã é um dos principais alvos na busca por vida fora da Terra, por poder representar uma versão antiga do nosso planeta, rica em compostos orgânicos e com paisagens que lembram rios, lagos e mares – embora formados por hidrocarbonetos, não por água. Entender como a química funciona ali pode ajudar os cientistas a compreender como a vida surgiu na Terra e como poderia evoluir em outros mundos.

Ilustração artística 3D mostra o conceito do drone robótico Dragonfly, projetado pela NASA para estudar a lua Titã, de Saturno. Imagem: NASA/JHU-APL

A missão Dragonfly, da NASA, prevista para a década de 2030, deverá explorar Titã com um drone capaz de voar sobre as dunas, crateras e lagos congelados da lua. O objetivo é investigar a composição química da superfície e buscar sinais de processos pré-bióticos (as reações químicas que antecedem o surgimento da vida).

Ao revelar que as regras químicas podem se comportar de maneira inesperada em mundos gelados, o novo estudo amplia as possibilidades de onde a vida poderia existir. Titã, que antes parecia apenas um deserto congelado de metano, pode esconder pistas cruciais sobre como a vida começa – aqui ou em qualquer outro lugar do cosmos.