Em 1915, a tripulação do explorador britânico Ernest Shackleton ficou presa por nove meses no Mar de Weddell, na Antártida, até que seu navio naufragou. A equipe fugiu a tempo, mas a aventura foi por água abaixo. Por décadas, se acreditou que o naufrágio ocorreu devido à ação do gelo, mas um novo estudo publicado na revista científica Polar Record revelou que a embarcação já estava condenada antes da aventura começar.
O pesquisador Jukka Tuhkuri, autor do artigo e especialista em arquitetura naval, esteve a bordo do Endurance22: a expedição que descobriu os restos do navio de Shackleton em 2022. A partir dessa experiência, ele iniciou um estudo dos diários dos tripulantes e analisou os restos da embarcação para entender a fundo a causa do naufrágio.
O pesquisador notou que o casco do Endurance não tinha vigas resistentes o suficiente para uma forte investida do gelo, como ocorre em regiões polares. Isso resultou na destruição do leme, da popa (parte de trás da embarcação) e uma parcela da quilha (estrutura na parte inferior do barco, como uma “espinha dorsal”) — o que encheu o navio de água.

Líder da expedição teria escondido um segredo dos tripulantes
A análise dos diários revelou que Shackleton teria escondido a situação do navio de sua equipe. Em seu livro “South: A Memoir of the Endurance Voyage”, o líder da expedição registrou que os blocos de gelo resistentes condenaram o navio. No entanto, em uma carta à sua esposa, ele dizia que o Endurance era menos resistente que o Nimrod, embarcação que utilizou em uma aventura na Antártida em 1908.
O estudou mostrou que Shackleton também possuía experiência para consertar as falhas da embarcação. Ele havia ajudado o explorador alemão Wilhelm Filchner a equipar seu navio Deutschland com as vigas estruturais que faltavam no Endurance. Em 1912, o barco alemão ficou a deriva nos mares congelados da Antártida por oito meses, mas sobreviveu.
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O pesquisador encontrou registros de cinco eventos de compressão de gelo que denunciaram a falta de um reforço estrutural. O tripulante Reginald James escreveu que a pressão ocorria principalmente na sala de máquinas, onde não havia vigas de resistência. Frank Worsley, capitão do navio, registrou que essa sala era a mais frágil da embarcação.
Vida pessoal de Shackleton pode ter atrapalhado a expedição à Antártida
O professor Michael Bravo da Universidade de Cambrige, que não participou do novo estudo, explicou que os navios utilizados em explorações polares não eram construídos sob medida para suas aventuras. “A maioria deles foi comprada de segunda mão e adaptada conforme o tempo e o dinheiro permitiram”, disse Bravo em uma entrevista ao The New York Times.
O jornalista Michael Smith trouxe outra justificativa para as decisões de Shackleton. Em seu livro Shackleton: By Endurance We Conquer, o autor relata que o líder da expedição enfrentava dívidas e um casamento em crise. Segundo Smith, o explorador se sentia inquieto em casa e via na viagem uma forma de fugir dos problemas, além de estar competindo com outros aventureiros pela conquista do Polo Sul.
“A escala desta expedição é realmente assustadora, mas ele precisava de algo em que se cravar os dentes e queria fugir”, disse o jornalista.
Mesmo com o novo estudo, Smith acredita que a popularidade do explorador britânico continuará intacta. Suas histórias seguem sendo contadas, inspiraram inúmeros livros e sua contribuição para o conhecimento da Antártida o consolidou como um dos grandes heróis das explorações do século XX.