Crânio de um milhão de anos pode mudar história da evolução humana

Um fóssil de cerca de um milhão de anos, encontrado na China, pode mudar o que sabemos sobre as origens da nossa espécie. A reanálise do crânio conhecido como Yunxian 2 indica que o Homo sapiens começou a se diferenciar muito antes do que se imaginava – algo em torno de 400 mil anos mais cedo do que apontavam estimativas anteriores.

O estudo, publicado na revista Science na quinta-feira (25), mostra que as linhagens humanas já se diversificavam há mais de um milhão de anos. Isso significa que o processo que deu origem à nossa espécie foi mais antigo e complexo, envolvendo ramos paralelos como Neandertais e Denisovanos, que podem ter convivido com nossos ancestrais por centenas de milhares de anos.

Um fóssil que muda a linha do tempo da nossa espécie

O protagonista dessa descoberta é o crânio Yunxian 2, achado na província de Hubei, na China, na década de 1990. O fóssil estava bastante deformado, o que dificultava sua análise, mas tecnologias recentes de reconstrução digital permitiram restaurar sua forma original.

Ao ser comparado com mais de cem outros espécimes, o Yunxian 2 revelou uma combinação única de traços primitivos e avançados, que o colocam no centro de uma revisão profunda da árvore genealógica humana.

Como foi feita a reanálise do crânio

O crânio Yunxian 2 foi descoberto em 1990, mas estava tão esmagado que, por décadas, os cientistas tiveram dificuldade em estudá-lo. Por causa de sua idade, ele foi inicialmente classificado como pertencente ao Homo erectus, considerado o primeiro humano de cérebro grande.

Cientistas manuseando crânios ancestrais
Pesquisadores usaram tecnologias recentes para restaurar digitalmente a forma original do fóssil para então reconstruí-lo em 3D (Imagem: Universidade Fudan)

Com o avanço das tecnologias, uma equipe internacional usou tomografia computadorizada (CT scan), técnicas de imagem de luz estruturada e softwares de reconstrução 3D para restaurar digitalmente a forma original do fóssil. Assim, os pesquisadores corrigiram distorções e visualizaram detalhes anatômicos até então invisíveis a olho nu.

A comparação com mais de cem outros fósseis humanos mostrou que Yunxian 2 tinha uma mistura rara de características.

  • Apresentava uma caixa craniana baixa e larga, típica de formas mais antigas;
  • Trazia sinais mais modernos no rosto e na parte traseira do crânio, além de um cérebro relativamente maior.

O que dizem os resultados

A nova análise aponta que o Yunxian 2 não era um Homo erectus, mas sim um dos primeiros representantes do clado longi, grupo de humanos arcaicos da Ásia que inclui também os Denisovanos.

Esse resultado empurra para trás a linha do tempo da evolução: os cientistas estimam que as linhagens que dariam origem ao Homo sapiens, aos Neandertais e ao próprio clado longi já se separavam há cerca de 1,3 milhão de anos.

Close em homem neandertal, focado na expressão dos seus olhos
Cientistas estimam que linhagens que dariam origem ao Homo sapiens e aos Neandertais, por exemplo, já se separavam há cerca de 1,3 milhão de anos (Imagem: Procy/Shutterstock)

Isso significa que a história da nossa espécie é bem mais antiga e intrincada do que se imaginava. Em vez de um processo linear, a evolução humana foi marcada por múltiplos ramos que coexistiram durante centenas de milhares de anos.

Nesse cenário, é provável que nossos antepassados tenham convivido, interagido e até cruzado com outros grupos humanos muito antes do que sugeriam as estimativas genéticas mais recentes.

O impacto para a evolução humana

O estudo ajuda a esclarecer o chamado muddle in the middle – a confusão em torno de fósseis datados de um milhão a 300 mil anos atrás, difíceis de classificar por apresentarem traços mistos.

Ao mostrar que linhagens como sapiens, Neandertais e longi já existiam nesse período, a pesquisa sugere que muitos desses fósseis podem ser encaixados de forma mais clara num desses ramos principais.

Grupo de humanos da espécie Homo sapiens durante caçada numa floresta
Com a nova análise do crânio encontrado na China, o debate sobre onde surgiu o Homo sapiens ganha nuances (Imagem: Gorodenkoff/Shutterstock)

Outra consequência é que o debate sobre onde surgiu o Homo sapiens ganha nuances. Embora os registros fósseis mais antigos da nossa espécie em território africano tenham cerca de 300 mil anos, a descoberta de Yunxian 2 indica que linhagens próximas já circulavam na Ásia centenas de milhares de anos antes.

Isso não derruba a origem africana, mas aponta para uma árvore genealógica muito mais complexa, com cruzamentos e dispersões em várias regiões do planeta.

O que dizem outros especialistas

Apesar do entusiasmo da equipe responsável pelo estudo, outros cientistas pedem cautela. Especialistas em genética evolutiva ouvidos pela BBC ressaltam que estimar datas tão antigas é complicado e sujeito a grandes margens de erro.

Ainda assim, a conclusão de que o Homo sapiens pode ter raízes mais profundas é vista como plausível. Pesquisadores lembram que ainda faltam fósseis-chave – especialmente na África e na Ásia – para confirmar esse quadro.

Para eles, o novo estudo traz hipóteses consistentes, mas que só ganharão força com mais descobertas e análises genéticas que ajudem a costurar esse quebra-cabeça da evolução humana.

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Próximos passos

Os cientistas envolvidos no estudo destacam que a reconstrução de Yunxian 2 é apenas o começo. A expectativa é que novas tecnologias de imagem e modelagem digital possam ser aplicadas a outros fósseis deformados.

Isso deve abrir caminho para revisões importantes na classificação de espécies humanas antigas. Essa abordagem pode revelar detalhes antes inacessíveis e oferecer uma visão mais completa da diversidade de hominíneos.

Além disso, a busca por fósseis ainda mais antigos segue como prioridade. Se o Homo sapiens realmente começou a se diferenciar há mais de um milhão de anos, como indica Yunxian 2, é provável que existam registros desse período aguardando para ser encontrados.

Cada descoberta pode ajudar a preencher lacunas da nossa árvore genealógica e responder à pergunta central: quando e onde surgimos, de fato, como espécie?

(Essa matéria usou informações de: BBC, Science e Museu de História Natural do Reino Unido.)