Em uma espécie de “túnel do tempo”, pesquisadores tentaram descobrir a origem do cometa 3I/ATLAS investigando por onde o visitante interestelar teria passado ao longo dos últimos 10 milhões de anos viajando pela Via Láctea.
Um artigo disponível no servidor de pré-impressão arXiv, submetido ao periódico científico The Astrophysical Journal Letter, descreve a pesquisa, que foi conduzida por cientistas da Espanha e da Suécia.

O 3I/ATLAS é o terceiro objeto interestelar (ISO) já detectado no Sistema Solar. Descoberto em 1º de julho, ele viaja a cerca de 220 mil km/h rumo a um encontro próximo com o Sol, previsto para 29 de outubro. Diversos observatórios em solo e no espaço, como o Telescópio Espacial James Webb (JWST), da NASA, já documentaram o corpo celeste e continuam acompanhando sua trajetória.
Além disso, missões na órbita de Marte terão as melhores visões do cometa, já que ele vai passar mais perto do Planeta Vermelho do que da Terra. Espaçonaves como as sondas Juno, da NASA, que investiga Júpiter, e JUICE, da Agência Espacial Europeia (ESA), que está a caminho do gigante gasoso, também podem registrar imagens reveladoras do objeto.
No entanto, nenhuma delas teria capacidade para rastrear sua origem exata. Isso porque conforme um cometa se aproxima do Sol, ele libera gases e poeira, formando a característica cauda brilhante. Mas, embora essa atividade ofereça pistas sobre sua composição, a aparência não diz nada sobre o caminho percorrido por ele até chegar ao Sistema Solar.
Missão “aposentada” fornece mapa estelar para rastreamento
Para entender de onde veio o 3I/ATLAS, a equipe recorreu a dados da missão Gaia, da ESA, que por quase 12 anos mapeou com precisão milhões de estrelas da Via Láctea, até ser desativada, em janeiro de 2025.
Liderados por Xabier Pérez Couto, da Universidade da Corunha, na Espanha, os pesquisadores buscaram possíveis encontros entre o cometa e estrelas que poderiam ter alterado sua trajetória.
Segundo eles, a cinemática (estudo do movimento) é essencial para identificar visitantes interestelares, como este e os dois anteriores – o asteroide ‘Oumuamua, em 2017, e o cometa 2I/Borisov, em 2019. A trajetória de um objeto é a evidência mais direta de sua origem extrassolar.
Análises anteriores sugerem que o cometa 3I/ATLAS provavelmente se formou no disco espesso da Via Láctea, região de estrelas antigas, muito mais velhas que o Sol.
Para ter certeza disso, os autores do novo estudo reconstruíram a órbita do cometa retrocedendo 10 milhões de anos, usando dados precisos do Gaia. Eles buscaram encontros próximos com estrelas dentro de um raio de 2 parsecs (6,52 anos-luz), tentando identificar perturbações que poderiam explicar seu caminho atual.
O levantamento encontrou 93 encontros, dos quais 62 são considerados confiáveis. Todas essas estrelas são da chamada sequência principal, a fase estável da vida estelar. A ausência de estrelas evoluídas, como anãs brancas ou estrelas de nêutrons, limita a análise, pois esses corpos poderiam ter influenciado mais o cometa.
Leia mais:
- Novo cometa tem brilho triplicado e já está quase visível a olho nu
- Chegar perto de um visitante interestelar não é ficção científica
- Visitante interestelar tem “cabeleira” de 350 mil km de dióxido de carbono
Observatório no Chile pode encontrar pelo menos um visitante interestelar por ano
Mesmo assim, o estudo traz informações importantes. O encontro mais significativo aconteceu há cerca de 72 mil anos, com a estrela HD 187760, localizada a 84 anos-luz e com 70% da massa do Sol. Essa passagem alterou levemente a velocidade e a trajetória do 3I/ATLAS, mas sem impacto relevante.
Segundo os autores, “o 3I/ATLAS não foi significativamente influenciado por encontros com estrelas conhecidas nos últimos 4,27 milhões de anos”. Ou seja, não há registros de sobrevoos estelares recentes capazes de explicar sua órbita ou origem.
Conforme destaca o Universe Today, além de vasculhar o passado do cometa, a pesquisa prepara o caminho para estudar futuros visitantes interestelares. Com o Observatório Vera Rubin, recém-inaugurado no Chile, os cientistas esperam detectar de um a dois objetos desse tipo por ano, ou cerca de 15 durante os 10 anos planejados para o projeto LSST (sigla em inglês para Pesquisa sobre o Legado do Espaço e do Tempo).
A expectativa é que, juntas, essas detecções permitam entender melhor os ISOs, mostrando como o material planetário está distribuído na galáxia. Estudos recentes indicam que essa população é heterogênea e fornece informações únicas sobre a evolução de sistemas planetários em toda a Via Láctea.
Apesar de promissores, os resultados do estudo recente não respondem ao certo a grande questão: de onde veio o 3I/ATLAS? “Os dados indicam que, embora o 3I/ATLAS siga uma órbita de disco fino na vizinhança solar, ele pode ser um objeto antigo, consistente com a ejeção de um disco planetesimal primordial em um sistema formado precocemente, ou de uma exo-nuvem de Oort, e está provavelmente associado à região de transição entre o disco fino e o disco espesso, mas sua origem permanece desconhecida”, concluem os pesquisadores.