Como a morte de artistas transforma a rotina e a vida dos fãs

Em 25 de junho de 2009, o mundo acompanhava as imagens de ambulâncias deixando a casa de Michael Jackson. Poucas horas depois, veio a confirmação: o Rei do Pop havia morrido. Na frente da TV, o paulista Rodrigo Teaser mudava de canal em busca de uma notícia que desmentisse a tragédia.

Rodrigo subiu ao palco caracterizado de Michael Jackson pela primeira vez aos 9 anos. Hoje, aos 45, leva seu tributo ao astro a teatros internacionais, como em Dubai. Mas a morte do ídolo marcou profundamente sua vida. “Naquele momento, o planeta inteiro parou por uma notícia de que um artista pop tinha falecido”, lembra.

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Rodrigo Teaser se apresenta como Michael Jackson

Reprodução

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Amanda da Silva encontra Marília Mendonça

Acervo pessoal

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Giovanna Florencio mostra as tatuagens que fez em homenagem ao ídolo, que morreu em 2024

Acervo pessoal

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Homenagem pública a Liam Payne em São Paulo

Acervo pessoal

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Marília Mendonça observa presente feito à mão por Amanda da Silva

Acervo pessoal

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Giovanna mantém um pequeno altar em homenagem à Liam Payne

Acervo pessoal

No dia seguinte, ele precisou se maquiar e vestir os trajes do ídolo para se apresentar. “Me fez muito mal me maquiar no dia seguinte e subir num palco”, relata. “Como fã, a única coisa que você quer é que seja mentira. Quando você constata que é verdade, vem essa sensação de um vazio, uma sensação estranha mesmo, porque até então, eu nunca tinha perdido ninguém da minha família.”

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A psicóloga Maria Helena Franco, da PUC-SP, explica que o luto não é exclusivo da perda de familiares. “Luto é uma experiência que se vive quando uma situação importante deixa de acontecer. Pode ser por morte, por mudança de local, de emprego, de residência”, aponta.

Ela reconhece a dor dos fãs, que muitas vezes veem o ídolo como um amigo: “Se ele adoece, você vai ficar mal, vai ficar na torcida. É como se fosse da sua família, como se fosse um amigo muito querido”.

Para Rodrigo, a morte de Jackson foi ainda mais dura porque ele havia comprado ingressos para o que seria a turnê de despedida do astro. “Na minha mente, eu vivia com a ideia fixa de que um dia eu me encontraria com ele. Eu sonhava muito com isso”, desabafa. O psicanalista Luciano Bregalanti, autor de Luto e Trauma, explica: “Lidar com impossibilidades de futuro é uma das tarefas do luto”.

A professora Amanda da Silva viveu uma experiência diferente ao conhecer pessoalmente Marília Mendonça. Ela acompanhava a carreira da artista desde antes da fama, quando descobriu que a jovem compositora assinava grandes sucessos do sertanejo. Em 2015, criou um dos primeiros fã-clubes dedicados à cantora.

“Ser fã da Marília sempre foi algo muito maior do que uma conta em rede social. Era (e ainda é) sobre sentir, se identificar, se emocionar com tudo o que ela representa”, conta.

O choque veio em 5 de novembro de 2021, quando o avião em que Marília viajava caiu em Minas Gerais, matando as cinco pessoas a bordo. “Fiquei alguns segundos sem reação, tentando acreditar que aquilo não era real e digerir toda a situação. A dor era grande demais para encontrar palavras”, lembra Amanda.

Amanda da Silva encontra Marília Mendonça

Ao contrário de Rodrigo, ela chegou a conhecer sua ídola em encontros promovidos pela própria cantora. “Até hoje me emociono só de lembrar disso. Conhecer a Marília foi um dos maiores presentes da minha vida”, diz. O vínculo tornou o luto ainda mais intenso.

“Sim, eu vivi um luto. Um luto silencioso, solitário, daqueles que doem no peito e na alma. Porque a Marília fez parte da minha vida e perdê-la foi como perder alguém da família”, conta.

Unidos na dor

A coletividade ajuda a atravessar esse vazio. Fãs se reúnem em redes sociais, vigílias e homenagens públicas. Giovanna Florencio, que administra uma página dedicada a Liam Payne, ex-One Direction, encontrou apoio nesses espaços quando o cantor morreu em 2024, após cair da sacada de um hotel em Buenos Aires.

Homenagem pública a Liam Payne em São Paulo

Ela participou, por exemplo, de uma homenagem pública ao cantor no Parque do Ibirapuera, em São Paulo. “Era um sentimento de não estar sozinha. São milhares, talvez até milhões de pessoas com o mesmo sentimento e tentando se apoiar. As mensagens que a gente recebeu foram incríveis”, relata.

“É importante notar que ser fã é uma prática individual. Muitos fãs participam de comunidades, mas nem todos. Fazer parte de um fandom é secundário em relação a ser fã”, adverte Jones.  “Embora cada fã possa ter levado algo diferente do ídolo, o fato de todos serem fãs os une na dor.”

A ligação de Giovanna com o ídolo começou na adolescência, durante internações por epilepsia. “O que eu tinha no quarto do hospital eram as minhas revistas do One Direction, meu notebook, que eu ficava vendo vídeos, entrevistas e clipes o tempo inteiro. Então eram eles que eu tinha como amigos”, relata.

A morte de Liam refletiu em sua saúde. “Foram dias extremamente caóticos em que era pensando nisso 24 horas”, conta. “Eu fiquei dois meses sem conseguir comer direito. Eu perdi muito peso nesse tempo, quase 10 quilos.” Para homenageá-lo, Giovanna fez três tatuagens em sua memória, somando oito dedicadas ao grupo.

Giovanna mantém um pequeno altar em homenagem a Liam Payne

Rodrigo também sentiu no corpo o impacto da perda de Michael Jackson. “Eu lembro que eu fiquei uns dois dias sem dormir nada, três. Eu fiquei muito mal mesmo. Aquilo mexeu comigo muito”, afirma.

Franco reforça a diferença entre perder um familiar e um ídolo. “Com um familiar ou um amigo, você tem uma relação de mão dupla. Ao passo que, com o ídolo, você não tem a mão dupla. Ele não te conhece. A grande diferença é que não tem a recíproca, não tem a troca”, explica.

Ainda assim, especialistas defendem que a dor não deve ser diminuída. O luto por um ídolo é real, causa sofrimento e pode ser reavivado a cada lembrança. “Embora possa gerar mobilizações emocionais intensas, não costuma ser reconhecido socialmente com a mesma validade que outros, o que pode ser um complicador”, analisa Bregalanti.