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Justiça será acionada contra suspeita de racismo no atendimento a cliente negro no Acre

O Ministério Público do Estado do Acre (MPAC), por intermédio da Promotoria de Justiça Especializada na Defesa dos Direitos Humanos e da Cidadania, formalizou denúncia contra Samuel Ramos da Silva, funcionário do Supermercado Mercale, pela prática de injúria racial.

O fato teria ocorrido na tarde de 6 de abril de 2025, por volta das 14h, dentro de uma das unidades da rede Mercale, localizada na Avenida Getúlio Vargas, em frente à praça do Juventus, em Rio Branco. A vítima, Euzébio de Oliveira Monte Junior, teria ido ao local com o objetivo de adquirir sal grosso. Após escolher o item, percebeu que havia deixado sua carteira no carro e, por esse motivo, deixou o produto em uma prateleira próxima e se dirigiu ao estacionamento. Foi então que Samuel, segundo a denúncia, o teria seguido até o lado de fora e o acusado de tentativa de furto.

A denúncia do MPAC reitera que o racismo é um crime contra a humanidade e imprescritível/ Foto: Ilustrativa

Segundo o documento, a abordagem teria ocorrido “unicamente com base em sua cor de pele e fenótipos”. A peça do MPAC afirma que “com a vítima nada foi encontrado” e destaca que a acusação teria sido feita “devido a preconceitos raciais e estereótipos negativos associados à população preta”.

O promotor de Justiça Thalles Ferreira Costa, autor da denúncia, optou por não propor acordo de não persecução penal. Em sua argumentação, citando decisão do Supremo Tribunal Federal (RHC 222.599, de 07/02/2023), afirmou que “‘Despenalizar’ atos discriminatórios raciais, nesta quadra da história, é contrariar o esforço já insuficiente para a construção da igualdade racial, levada a cabo na repressão de atos fundados em desprezíveis sentidos alimentados, diariamente, por comportamentos concretos e simbólicos reificadores de pessoas negras”.

O MP ainda tentou identificar o segurança da loja que, conforme relato do próprio acusado, teria ordenado a abordagem ao cliente. No entanto, as diligências foram “solenemente ignoradas” pela empresa, que, segundo o documento, “não adota nenhuma diligência em direitos humanos” e demonstraria “total abandono da empresa para com seu colaborador”.

O órgão reforça que o racismo configura crime contra a humanidade e, portanto, é imprescritível, conforme previsto no Artigo 5º, inciso XLII da Constituição. A denúncia também menciona o julgamento do Habeas Corpus (HC) nº 154.24/DF, no qual o Supremo Tribunal Federal reconheceu a natureza permanente da injúria racial.

A Promotoria enfatiza ainda a responsabilidade do Judiciário em romper com a “cultura de impunidade” que muitas vezes ainda cerca crimes dessa natureza. Destaca, inclusive, que no Brasil o racismo frequentemente se apresenta de forma disfarçada, “escamoteada ou em tom de ‘brincadeira’”, mas que isso não o torna menos prejudicial. Ao contrário, “nem por isso é menos doloroso para suas vítimas e menos efetivo em retroalimentar relações de poder que moldam a organização hierárquica da sociedade e a distribuição desigual de riquezas, oportunidades e poder entre os diferentes grupos racializados”.

Na denúncia, o Ministério Público solicita o início do processo penal, a citação de Samuel Ramos da Silva para que apresente defesa por escrito no prazo legal de 10 dias, além da oitiva da vítima e das testemunhas. A acusação se fundamenta no Art. 2º-A da Lei nº 7.716/89, considerando também o Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O site ContilNet informou ter tentado contato com a assessoria de comunicação do Supermercado Mercale, mas até o encerramento da matéria não obteve retorno. O espaço permanece aberto para futuras manifestações.

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