O novo levantamento do Censo Demográfico 2022, divulgado nesta sexta-feira (6) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela uma mudança significativa no panorama religioso do Acre. Pela primeira vez, os evangélicos ultrapassaram os católicos em número de seguidores no estado.
Segundo os dados, o Acre lidera o ranking nacional na proporção de pessoas que se identificam como evangélicas: 44,38% da população com 10 anos ou mais, o que equivale a 303.599 pessoas. Em 2010, o número registrado era de 187.094, demonstrando um crescimento de 62% em pouco mais de uma década.

Dados foram revelados pelo Censo/Foto: Juan Diaz/ContilNet
Em contrapartida, o número de católicos no estado caiu 10% no mesmo período, passando de 298.270 para 266.329 seguidores em 2022.
Essa mudança reflete uma tendência nacional de diminuição da presença católica, de acordo com o IBGE. O site ContilNet entrevistou o padre Massimo Lombardi, da Diocese de Rio Branco, que comentou o cenário e fez uma autocrítica em relação à atuação da Igreja.
“Então, isso é um motivo para avaliarmos também o nosso trabalho, porque certamente alguma coisa não funciona, não é? Talvez a nossa maneira de falar, de divulgar, não seja a certa. Enfim, parece que a aceitação das igrejas evangélicas é maior entre a juventude, quer dizer, que os jovens provavelmente não encontram na Igreja Católica um linguajar que toque o coração deles, eu imagino. Talvez eles queiram uma igreja mais viva, dinâmica, tipo show, festiva. Eu acredito que tenha alguma coisa assim”, afirmou o padre.
Apesar da necessidade de rever algumas estratégias de evangelização, Lombardi reforça que a essência da fé católica não deve ser alterada. Para ele, Cristo não recorria a espetáculos para transmitir sua mensagem.

Padre Massimo Lombardi/Foto: Yago Ayache/ContilNet
“Enfim, a Igreja Católica tem uma liturgia sempre muito simples, muito enxuta, mesmo que não seja animada e participativa, mas destaca mais Jesus Cristo, que deu a sua vida, morreu, ressuscitou e está no nosso meio. O que Ele nos pede é fidelidade aos seus mandamentos e respeito ao Evangelho. Agora, a gente não pode falsificar essa apresentação, com um revestimento que não seja dos ensinamentos de Jesus, não é? E também, Jesus, quando pregava, não oferecia espetáculo”, pontuou.
Para o vigário, uma das explicações para o crescimento evangélico está na forma como essas igrejas dialogam com as necessidades individuais das pessoas.
“Hoje em dia, certamente, pela cultura individualista e subjetivista da modernidade, para resolver problemas pessoais, as pessoas procuram nas várias igrejas evangélicas aquele produto, não é? Por exemplo, há uma igreja que oferece mais cura, saúde; outras, mais segurança; outras, mais riqueza, prosperidade. Visitando as várias igrejas, cada qual tem um produto de fé que atrai o ‘consumidor da religiosidade’. A Igreja Católica sempre apresenta Jesus Cristo, que morreu, ressuscitou, e pede que carreguemos a cruz, sejamos fiel na família, honestos no trabalho, e assim por diante”, acrescentou.
Lombardi ainda apontou o impacto da chamada teologia da prosperidade na migração de fiéis para igrejas protestantes.
“Agora, eu acredito que isso seja uma situação cultural, não é? De repente, amanhã muda e há uma reversão. Também vemos que, em nossas paróquias, às vezes, os movimentos como missa de cura e libertação lotam as igrejas. Missa das famílias também tem grande procura. Mas nos questionamos: o que oferecemos às pessoas, para facilitar? É uma promessa de prosperidade. Mesmo que algumas paróquias eventualmente façam algo parecido, há um número considerável de seguidores e participantes. Não podemos negar isso”, explicou.
O padre também expressou preocupação com a falta de preparo de parte dos líderes religiosos no meio neopentecostal.
“Mas sempre há aquele receio, não é? Será que isso é propaganda comercial? ‘Venha, participe sete vezes e resolverá o problema da sua família’. Fazem corrente de oração dez vezes. São formas de propaganda religiosa novas, na nossa cultura. Quando cheguei ao Brasil, não era assim. Tinha as igrejas históricas, inclusive a Assembleia de Deus, mas muito mais discretas, valorizando a Bíblia e os costumes. Agora, com o neopentecostalismo, são igrejas sem direção central. Cada pastor age com mais força, liberdade e espontaneidade, conforme os desejos dos fiéis. Sei que até entre as igrejas evangélicas há questionamentos. Também há pastores que, após três meses, se tornam líderes sem estudo formal, apenas por carisma na fala. Entre eles, também há esse debate. Acredito que devemos fazer uma avaliação”, salientou.
Na tentativa de se aproximar das novas gerações, a Igreja precisa adaptar sua linguagem e abordagem, segundo o padre.
“Para ter uma linguagem mais acolhedora e clara com os jovens, por exemplo: eles precisam de uma liturgia, pregação que realmente os toque; uma forma mais animada, pulando, não sei. Mas precisamos ter cuidado para não descaracterizar a essência da Igreja e os ensinamentos de Jesus: ‘quem quiser me seguir, carregue sua cruz’”, completou.
Além disso, o sacerdote defende que a presença da Igreja deve se estender aos locais mais vulneráveis.
“Além da linguagem, precisamos marcar presença nos lugares mais esquecidos: presídios, hospitais, periferias da cidade. Faço isso nas comunidades, mas devemos estar também nas vielas da nossa cidade, onde a igreja matriz está longe. Esse é outro ponto de reflexão.”
Por fim, o padre comentou o crescimento das religiões de matriz africana no estado, que chamou sua atenção.
“Realmente, no Acre, percebo que o que é mais popular ganha espaço. As religiões de matriz africana estão muito próximas do povo, têm grande liberdade litúrgica. Quando uma religião tem mais normas e burocracia, as coisas se complicam, e isso pode levar à decadência. Elas oferecem espontaneidade, e hoje o pessoal não gosta de regulamentos, mas de se sentir à vontade. Imagino que seja isso”, concluiu.
