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Regulação da internet: Brasil mira União Europeia, mas aplica diferente

Regulação da internet: Brasil mira União Europeia, mas aplica diferente

A influência das regras europeias sobre a regulação da internet ao redor do mundo segue forte, mas já não é mais incontestável. Um exemplo relevante é o caso brasileiro, que tem seguido os passos da União Europeia com sua Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e agora com a proposta de uma Lei de Mercados Digitais. No entanto, a forma como o Brasil aplica essas inspirações revela caminhos distintos.

Essa análise é feita por Miguel Otero-Iglesias e Gonzalo Rodríguez Gordo, pesquisadores da IE University, em artigo publicado no The Conversation. Segundo eles, embora haja uma proximidade regulatória entre os dois blocos, o contexto político, econômico e institucional do Brasil impõe diferenças significativas — o que pode impactar diretamente o futuro da regulação digital global.

Da LGPD ao “DMA brasileiro”

Cadeado com miniatura de bandeira da União Europeia sobre mapa da Europa para ilustrar Lei dos Serviços Digitais, DSA
As regras da União Europeia serviram e ainda servem de inspiração para leis brasileiras (Imagem: Ivan Marc / Shutterstock.com)

Alinhamento inspirado, mas com adaptações

Apesar da inspiração clara, os autores alertam que o Brasil segue um caminho diferente na prática. O texto brasileiro se aplica a um número muito maior de empresas, incluindo startups, devido a um limite de receita mais baixo e à ausência de uma definição clara de “poder de controle de acesso significativo”.

Além disso, diferentemente da Europa — onde as autoridades de concorrência lideram a fiscalização —, no Brasil, a supervisão caberá à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Para os pesquisadores, isso “expande o escopo regulatório e levanta preocupações sobre o excesso de regulamentação que poderia prejudicar a inovação”.

Tensão entre regulação e inovação

O cenário global adiciona outra camada de complexidade. EUA e UE têm se enfrentado em torno da regulação digital. Em um episódio emblemático, o presidente americano Donald Trump classificou as regras europeias como uma forma de “exploração injusta da inovação americana”.

Donald Trump rebateu as regras europeias contra empresas americanas (Imagem: Chip Somodevilla / Shutterstock.com)

Em resposta, a Comissão Europeia publicou uma carta reafirmando que as regras são aplicadas de forma equitativa. “Elas não são direcionadas exclusivamente às empresas americanas”, explicam os pesquisadores, citando investigações contra empresas europeias e chinesas, como Booking.com e TikTok.

Preocupações do Brasil no cenário internacional

Para Otero-Iglesias e Rodríguez Gordo, essas disputas levantam dúvidas no Brasil sobre o futuro da parceria regulatória com a Europa. “O Brasil teme ficar isolado em seus esforços para regulamentar as grandes tecnologias se a UE enfraquecer sua posição”, analisam.

Essa preocupação é especialmente relevante em um momento em que o Brasil busca reforçar sua presença em fóruns internacionais e exercer maior influência nas negociações sobre governança digital.

Multas da UE testam credibilidade regulatória

Mesmo sob pressão, a UE tem demonstrado disposição para aplicar a nova legislação. Recentemente, foram impostas multas de 700 milhões de euros à Apple e à Meta por violações antitruste — valores que, embora menores do que o permitido pelo DMA, sinalizam a seriedade da Comissão.

Se a não conformidade persistir, a Comissão Europeia pode aplicar sanções diárias de até 5% do faturamento global médio das empresas. “Essa abordagem dá à Comissão a flexibilidade para aumentar a fiscalização se essas empresas continuarem a violar as regras”, explicam os autores.

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Reações das gigantes da tecnologia

As Big Techs não ficaram em silêncio. Um porta-voz da Casa Branca chamou as sanções de “extorsão”, enquanto a Meta acusou a Comissão de discriminar empresas americanas. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, respondeu afirmando que a aplicação da lei seria feita “independentemente da origem da empresa e de quem a dirige”.

Big techs reagiram às sanções pesadas da UE (Imagem: Ascannio / Shutterstock.com)

Segundo os pesquisadores da IE University, essa firmeza é necessária, mas ainda insuficiente. “Não se sabe ao certo quanta pressão a UE ou o Brasil podem suportar sozinhos”, observam.

Cooperação como saída possível

Diante da tensão entre regulação e inovação, os autores apontam que uma maior cooperação entre Brasil e Europa poderia ajudar a garantir soberania digital e concorrência justa no ambiente online. “Uma aliança mais forte entre os dois poderia servir de modelo para a cooperação internacional”, concluem.

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