Apesar de enfrentar uma das piores realidades socioeconômicas do país, a Câmara de Vereadores de Tarauacá, no Acre, gastou R$ 60.450,00 apenas nos três primeiros meses de 2025 com vale alimentação para os parlamentares. O benefício, de R$ 1.550 mensais por vereador, foi garantido por uma lei aprovada no ano passado, com caráter indenizatório, o que dispensa prestação de contas detalhada ou descontos na folha de pagamento.
Localizada a cerca de 400 km da capital Rio Branco, Tarauacá tem cerca de 43 mil habitantes e amarga um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil: 0,539, ocupando a 5.332ª posição entre os mais de 5.500 municípios brasileiros. Quase um quarto da população depende do Bolsa Família para sobreviver são mais de 9 mil beneficiários, que recebem, em média, R$ 785,56 por mês.
A discrepância entre os rendimentos dos representantes públicos e a situação da população é gritante. Enquanto os vereadores recebem salários de R$ 9 mil, além do vale alimentação e de um assessor com salário de R$ 3 mil, o presidente da Câmara ganha R$ 10 mil mensais.
A situação escancara uma desigualdade que vai além dos números: ela revela a distância entre quem representa e quem é representado. Em um município onde boa parte da população vive na pobreza, os privilégios mantidos com recursos públicos seguem aumentando sem transparência ou prestação de contas proporcional à realidade local.
O que a população diz:
A reação da população de Tarauacá aos gastos da Câmara de Vereadores com vale-alimentação tem sido marcada por indignação e críticas nas redes sociais e em conversas cotidianas pela cidade. Em um município onde muitos enfrentam dificuldades para garantir o básico, o valor mensal de R$ 1.550 pagos a cada vereador apenas para alimentação tem sido visto como um privilégio injustificável.
Moradores relatam sentir-se abandonados pelos representantes que deveriam lutar por melhorias na saúde, educação e infraestrutura. “A gente vive no sufoco, dependendo de auxílio do governo para comer, e eles ainda recebem dinheiro extra para se alimentar, como se o salário deles já não fosse alto o suficiente?”, questiona uma moradora do bairro Copacabana, um dos mais carentes da cidade.
Lideranças comunitárias e pequenos comerciantes também têm se manifestado, destacando que o valor total gasto com o benefício em apenas três meses, de R$ 60.450,00 poderia ser utilizado para reformar escolas, melhorar postos de saúde ou investir em programas sociais. “É revoltante ver tanto dinheiro sendo usado para alimentar quem já tem um bom salário, enquanto nossas crianças vão para a escola sem merenda”, afirmou um líder local.
Apesar do descontentamento crescente, ainda não houve manifestações organizadas nas ruas. No entanto, o tema tem ganhado força em grupos de WhatsApp e páginas locais do Facebook, com cobranças por mais transparência e responsabilidade no uso do dinheiro público. Alguns moradores cogitam buscar o Ministério Público para questionar a legalidade e a moralidade do benefício.
A crescente pressão popular pode levar a Câmara a rever o pagamento ou, ao menos, abrir espaço para um debate mais amplo sobre os privilégios dos vereadores frente à dura realidade vivida por grande parte da população de Tarauacá.
Quais são as propostas dos vereadores para justificar esses gastos?
Até o momento, os vereadores de Tarauacá têm se apoiado principalmente na legalidade do benefício para justificar os gastos com o vale alimentação, evitando discutir o mérito moral da medida diante da situação socioeconômica do município.
A principal justificativa apresentada pelos parlamentares é que o auxílio está amparado por uma lei municipal aprovada em 2024, que instituiu o benefício em caráter indenizatório. Com isso, argumentam que o pagamento é legal, não integra o salário e não exige prestação de contas detalhadas, como se fosse um reembolso por despesas alimentares no exercício da função pública.
Alguns vereadores alegam que o valor do benefício visa compensar os custos extras que teriam com alimentação durante o expediente e deslocamentos relacionados ao mandato, inclusive em visitas a comunidades rurais. Também há quem defenda que a medida se equipara a benefícios já existentes em outras câmaras municipais do país.
No entanto, nenhuma proposta concreta foi apresentada até agora para tornar o gasto mais transparente, como a exigência de notas fiscais, limites baseados em produtividade ou revisão do valor diante das contas públicas e da realidade local. Tampouco há sinais de que a Câmara pretenda abrir mão voluntariamente do benefício, mesmo diante das críticas da população.
A falta de um debate público mais profundo e a ausência de propostas de revisão reforçam a percepção de distanciamento entre os representantes e os representados em Tarauacá. Enquanto isso, o vale alimentação segue sendo pago integralmente, somando-se aos altos salários e aos demais benefícios recebidos pelos vereadores.
