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Melhor que Ozempic? Comprimido diário promete perda de peso e controle de diabetes

Melhor que Ozempic? Comprimido diário promete perda de peso e controle de diabetes

Na manhã desta quinta-feira (17), a empresa farmacêutica Eli Lilly divulgou resultados de um ensaio clínico que atesta que tomar um comprimido diariamente pode ser tão eficaz quanto os injetáveis Mounjaro e Ozempic quando se fala do controle de diabetes tipo 2.

O medicamento em questão é o orforgliprona e é da classe medicamentosa GLP-1, que é sucesso de vendas por conta de ajudarem na perda de peso. A diferença que podemos verificar entre o comprimido e os injetáveis é que este último é caro, precisa ser mantido em refrigeração constante e é invasivo.

Por sua vez, o orforgliprona tem potencial de ser bem mais utilizado por poder ser armazenada em temperatura ambiente e ser administrada via oral. Contudo, poderá ser tão cara quanto o Ozempic, por exemplo — no Brasil, o medicamento está na faixa dos R$ 1 mil.

Próximos passos para o comprimido chegar às farmácias

Ao The New York Times, Craig Garthwaite, economista de saúde da Universidade Northwestern, disse que “o que estamos vendo começar a acontecer é uma luta pelo futuro do mercado da obesidade“.

Resultados do ensaio do comprimido

No resultado divulgado nesta quinta-feira (17), a farmacêutica apresentou apenas um resumo, algo obrigatório após receberem os resultados de estudos com potencial de afetar o preço de suas ações. Já os dados subjacentes não foram divulgados pela Lilly, tampouco foram examinados por especialistas externos.

A companhia indicou que apresentará resultados detalhados em reunião com pesquisadores sobre o diabetes em junho. Posteriormente, os publicará em periódico revisado por pares.

Caneta de Wegovy
Medicações injetáveis, como o Wegovy, são invasivas e dependem de refrigeração constante (Imagem: KK Stock/Shutterstock)

Ensaio em si

Foram 559 pessoas que participaram do ensaio clínico. Elas têm diabetes tipo 2 e tomaram o comprimido ou placebo por 40 semanas. Aqueles que tomaram o orforgliprona tiveram a A1C (que mede níveis de açúcar no sangue com o passar do tempo) reduzida entre 1,3% e 1,6%.

Em ensaios não relacionados, o Ozempic e o Mounjaro conseguiram chegar a resultados similares. Em 65% das pessoas que tomaram o novo comprimido, o nível de açúcar no sangue foi reduzido e chegou à faixa normal.

Além disso, quem tomou a pílula também perdeu peso, com média de 7,2 kg para quem foi medicado com doses mais altas. A título de comparação, o Ozempic alcança a mesma quantidade com 40 semanas de tratamento, mas o comprimido perde ligeiramente para o Mounjaro (segundo ensaios clínicos não relacionados).

Já os efeitos colaterais atestados foram os mesmos que os dos injetáveis contra obesidade: diarreia, indigestão, constipação, náusea e vômito. Contudo, é possível que os benefícios diminuam e os efeitos colaterais aumentem conforme mais pessoas utilizarem o medicamento.

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Grupo de farmacêuticas atrás de medicações GLP-1

A Eli Lilly lidera seleto grupo de companhias que competem no desenvolvimento de comprimidos à base de GLP-1. Persistem preocupações significativas sobre possíveis efeitos colaterais graves que poderiam afastar pacientes do uso desses medicamentos.

No início da semana, por exemplo, a Pfizer revelou ter encerrado o desenvolvimento de comprimido semelhante após um participante de seu estudo apresentar “possível lesão hepática causada pelo medicamento”. No entanto, no ensaio conduzido pela Eli Lilly, o orforglipron não apresentou indícios de toxicidade hepática.

As ações da companhia dispararam após a divulgação dos dados promissores. Na quinta-feira, os papéis da companhia encerraram o dia com alta de 14%, o que representou acréscimo de US$ 100 bilhões (R$ 585,53 bilhões, na conversão direta) ao valor de mercado da empresa.

Esse foi o primeiro de sete estudos clínicos principais com o orforglipron a apresentar resultados. Alguns dos demais testes estão avaliando o uso do medicamento na perda de peso entre indivíduos sem diabetes. Resultados relacionados ao uso em pacientes obesos devem ser divulgados ainda neste ano.

Segundo o Dr. Daniel Skovronsky, diretor científico da Lilly, caso o remédio receba aprovação para o tratamento de obesidade e diabetes, a empresa estará preparada para produzir comprimidos em quantidade suficiente para atender à demanda. Ele declarou ter tomado conhecimento dos resultados do estudo na manhã de terça-feira (15), mas que a companhia já vinha se organizando para a fabricação antes mesmo de vê-los.

“Nas próximas décadas, mais de 700 milhões de pessoas em todo o mundo terão diabetes tipo 2 e mais de um bilhão viverão com obesidade”, afirmou Skovronsky. “Injeções não são soluções viáveis para bilhões de pessoas globalmente.”

Segundo o Times, atualmente, 12% dos adultos estadunidenses relatam ter utilizado medicamentos à base de GLP-1. Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças, cerca de 40% da população adulta nos Estados Unidos é obesa e mais de 10% têm diabetes, majoritariamente do tipo 2.

Entre os medicamentos injetáveis mais populares já disponíveis, estão os da própria Eli Lilly — Zepbound, para obesidade, e Mounjaro, para diabetes —, além dos da Novo Nordisk, que comercializa o Wegovy (obesidade) e o Ozempic (diabetes).

Com o aumento da procura por esses tratamentos nos últimos anos, os custos crescentes passaram a pesar sobre empregadores e programas públicos de saúde, que já enfrentavam dificuldades com os preços dos medicamentos prescritos. A chegada do orforglipron promete ampliar ainda mais esse mercado e elevar a pressão sobre os orçamentos.

O surgimento do orforglipron representa, de certa forma, avanço notável da química moderna. Os medicamentos injetáveis com GLP-1 são compostos por peptídeos — pequenos fragmentos de proteínas (GLP é a sigla para peptídeo semelhante ao glucagon).

Como os peptídeos são digeridos no estômago, a criação de versão oral exigiu que os químicos desenvolvessem composto não peptídico com ação semelhante. Pesquisadores da Chugai Pharmaceutical, empresa japonesa, encontraram essa solução, licenciando o medicamento para a Lilly em 2018.

O avanço consistiu em descobrir molécula minúsculamilhares de vezes menor que um peptídeo — capaz de se encaixar em pequena cavidade na proteína-alvo dos GLP-1s. Quando isso ocorre, a proteína sofre alteração de forma, assim como acontece com a ligação do peptídeo natural. Segundo Skovronsky, encontrar essa molécula foi “o Santo Graal”.

O resultado é uma pílula que pode ser ingerida em qualquer horário do dia, com ou sem alimentos — algo praticamente inédito entre medicamentos peptídicos.

Ozempic e medicações similares apresentam resultado similar no controle da diabetes, mas inferior quando o assunto é perda de peso) Imagem: KK Stock/Shutterstock

A insulina, provavelmente o peptídeo mais amplamente conhecido, existe há mais de 100 anos e ainda é administrada exclusivamente por injeção, apesar de tentativas persistentes de criar versão oral. O mesmo se aplica ao hormônio do crescimento humano e a diversos medicamentos para condições, como artrite e câncer.

A Novo Nordisk possui comprimido de GLP-1, o Rybelsus, que contém o próprio peptídeo GLP-1. No entanto, precisa ser administrado em doses elevadas e é menos eficaz que as versões injetáveis, pois é, em grande, parte digerido no estômago.

Para pacientes com diabetes ou que enfrentam a obesidade, uma pílula que substitua as injeções pode representar transformação profunda por diversos motivos. Um deles é a aversão que muitos têm às injeções.

O Dr. C. Ronald Kahn, professor da Escola de Medicina de Harvard e diretor acadêmico do Joslin Diabetes Center, também da universidade, afirmou ter diversos pacientes que evitavam iniciar o uso de Ozempic ou Mounjaro justamente por serem injetáveis. Uma pílula, afirmou, “seria, definitivamente, a escolha preferida da maioria das pessoas”.

O Dr. Sean Wharton, diretor da Wharton Medical Clinic em Burlington, Ontário (Canadá), vê potencial ainda maior. O médico, que participou do estudo da Lilly com o orforglipron voltado à obesidade, acredita que um comprimido pode levar o tratamento com GLP-1 a populações carentes ao redor do mundo.

“Pode ser facilmente produzido em uma fábrica e enviado para qualquer lugar”, afirmou. Seu custo de produção deve ser bem menor que o dos peptídeos e não exige canetas injetoras especiais nem refrigeração. Atualmente, os medicamentos estão disponíveis apenas para uma minoria com acesso a convênios de saúde ou recursos financeiros para arcar com o custo. O acesso está restrito, até agora, a países ricos.

Mas esse cenário começa a mudar: a Eli Lilly, recentemente, lançou seu medicamento injetável de GLP-1 na Índia. Lá, os pacientes teriam que pagar cerca de US$ 200 (R$ 1.171,06) por mês, valor fora do alcance da maioria da população local. Há expectativa de que, já no próximo ano, o Ozempic e o Wegovy possam ser vendidos como genéricos em alguns países, mas não nos Estados Unidos.

Com o orforglipron, “temos a chance de que um medicamento alcance milhões e milhões de pessoas”, disse o Dr. Wharton. No entanto, tudo depende da estratégia de precificação e distribuição da Eli Lilly. “É por isso que enfatizo a palavra ‘chance’”, completou.

Hoje, tanto a Eli Lilly quanto a Novo Nordisk oferecem seus injetáveis — Zepbound e Wegovy — por cerca de US$ 500 (R$ 2.927,65) mensais para pacientes estadunidenses que pagam do próprio bolso. Já empregadores e programas públicos, que cobrem a maior parte dos custos para os pacientes nos EUA, pagam valores semelhantes após negociações e descontos, cujos detalhes não são divulgados.

Ações e valor de mercado da Eli Lilly dispararam após divulgação dos resultados (Imagem: MacroEcon/Shutterstock)

Quando uma farmacêutica anuncia um preço, refere-se ao valor de tabela — ponto de partida para negociações. Raros são os pacientes que pagam esse valor integral. Analistas de Wall Street preveem que a Eli Lilly deverá definir o preço de tabela do orforglipron abaixo de US$ 1 mil (R$ 5.855,30) por mês, inferior aos de Zepbound (US$ 1.086/R$ 6.358,85) e Wegovy (US$ 1.349/R$ 7.898,79).

Como está bem à frente de concorrentes no desenvolvimento de comprimidos com GLP-1, a Eli Lilly deverá manter exclusividade nesse mercado por alguns anos — o que lhe garante margem para manter preços elevados por mais tempo.

Tornar o orforglipron acessível em escala global exigiria preços significativamente menores do que os praticados nos Estados Unidos. Medicamentos injetáveis de GLP-1 já são vendidos a preços bem inferiores na Europa. O presidente dos EUA, Donald Trump, frequentemente, criticava o fato de os estadunidenses pagarem muito mais do que outros países ricos pelos mesmos remédios, completa o Times.

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