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Mauro Bittar: o político que fez da discrição sua forma de ação e chegou a dar nome a um bairro em Rio Branco

Mauro Bittar: o político que fez da discrição sua forma de ação e chegou a dar nome a um bairro em Rio Branco

O bairro hoje chamado de Vila Betel, na região entre o Floresta Sul e o Conjunto Novo Esperança, em Rio Branco, um dia chamou-se Mauro Bittar. Foi uma forma que os moradores locais encontraram para homenagear a pessoa que os ajudou a terem um espaço para construir um teto para morar, já que os habitantes do local, em sua grande maioria, eram compostos de pessoas que integravam, já naquela época, início dos anos de 1980, dados das estatísticas do déficit habitacional de uma cidade em formação e recebendo, cada vez mais, colonos e seringueiros expulsos das terras que viviam, tangidos como gado, para as periferias.

Eram tempos em que os novos donos do Acre, protegidos como investidores da pecuária, que hoje convencionou-se chamar de agronegócio, transformavam antigos seringais em campos de pastagens e, além de substituir florestas pelo capim, substituíam seres humanos pela pata do boi. Foi em meio a essa luta que surgiram nomes como João Eduardo do Nascimento, José Granjeiro, Francisco Bezerra, o “Bezerrinha”, Maria Lúcia Regis, Maria José Pires e tantos outros líderes comunitários que tentavam, de algum jeito, trazer algum tipo de ordem para as seguidas invasões de terras, algumas públicas e outras privadas, ao redor de Rio Branco, transformando a capital do Acre num grande favelão. É nesse contexto que surge a figura carismática de Mauro Miguel Bittar.

Mauro ao lado do irmão, o senador Marcio Bittar/Foto: Reprodução

Embora filho de um médio pecuarista da zona rural de Sena Madureira, Mamédio Bittar, que no final dos anos de 1970 havia se mudado com a família do interior de São Paulo para o interior do Acre, Mauro Bittar não fazia o tipo comum dos filhos de fazendeiros daqueles tempos no Acre. Refinado, discreto, atuava na política nos bastidores, enquanto o irmão, apenas um adolescente empenhado em ajudar o pai na lida no campo, jamais imaginava que um dia chegaria, por exemplo, ao Senado da República, pelo voto popular. Mais improvável ainda porque aquele adolescente, o hoje senador Márcio Bittar, que militara no movimento estudantil por onde havia passado, em São Paulo e pelo Mato Grosso do Sul, tinha seus interesses voltados para o socialismo ou o comunismo, cujos ventos sopravam para o mundo diretamente do frio de Moscou, capital da então União Soviética, onde ainda pontificava a política do Partido Único, o PC (Partido Comunista), no qual Márcio Bittar, com o apoio discreto do irmão, chegou a ir fazer cursos sobre o pragmatismo do comunismo que a União Soviética queria exportar para o mundo, através de lideranças jovens.

Márcio Bittar encontra o irmão, no Acre, já envolvido até a medula com a política. Havia um movimento muito jovem de apoio ao então engenheiro Flaviano Melo, que estava sendo preparado para ser eleito indiretamente, pela Assembleia Legislativa, para ser prefeito de Rio Branco em substituição ao interventor Fernando Inácio dos Santos, que já estava fazia oito anos no poder e a cidade cada vez mais favelizada.

Flaviano Melo chega à Prefeitura de Rio Branco tendo Mauro Bittar como um de seus principais assessores. Mauro traz para dentro da Prefeitura o movimento comunitário de Rio Branco, cujas lideranças ele as chamava pelo nome. Flaviano Melo faz uma administração em que os líderes comunitários eram os protagonistas e, com tamanho apoio, numa época em que o MDB era, sim, o maior partido político do Brasil, que vinha crescendo com apoio do eleitorado desde 1982, seu destino só deveria ser mesmo o Governo. Candidato a governador, em 1986, Flaviano Melo é eleito com ampla maioria de votos e chega ao Governo trazendo, de novo, Mauro Bittar como seu homem forte, lotando-o como chefe do Gabinete Civil. Em 1988, faz um movimento no Governo e Mauro Bittar sai do Gabinete Civil e vai chefiar a Secretaria de Planejamento.

Mauro nos deixou após uma luta contra o câncer/Foto: Reprodução

Com o fim dos governos do MDB e daquela era, chega ao governo o então governador Edmundo Pinto, em 1990, seu amigo pessoal, que o convida a fazer parte de seu governo, mas Mauro Bittar prefere recolher-se à iniciativa privada. Em seguida, deixa o Acre e vai morar em Belo Horizonte. Na época, o irmão Márcio Bittar já dava os primeiros passos na política e, em 1994, se elege deputado estadual. Márcio Bittar nunca negou que, em todas as suas campanhas, seguia, sempre, a orientação do irmão, que havia se tornado uma referência quando o assunto era bastidores, como se recorda o, hoje, pastor Francisco Bezerra. “Bezerrinha”, como era conhecido o então líder comunitário, foi eleito vereador da capital, pelo MDB, com o peso da influência de Mauro Bittar.

Recolhido ao mundo empresarial, Mauro Bittar realizou o sonho de adolescência de conhecer o mundo. Viajou muito até descobrir, há menos de dez anos, ser portador de câncer. Tratou a doença, mudou o estilo de vida, a dieta e chegou a comemorar aniversário em grande estilo achando que havia vencido a doença, como havia vencido na vida. Estava enganado. O câncer só estava à espreita e voltou nos últimos dois anos, cada vez mais agressivo, até vencê-lo nesta manhã, numa UTI de hospital em Belo Horizonte, levando não só o corpo, mas também um nome que, se não pôde ser dado a um bairro por causa do impedimento legal de que logradouros públicos não podem ter nome de pessoas vivas, agora pode virar lenda.

Que vá em paz, Mauro Bittar.

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