‘O mundo discute adição, e não transição energética’, diz ex-ministra do Meio Ambiente

Em entrevista, Izabella Teixeira afirma que nunca houve tanta aposta nas energias renováveis mas, ao mesmo tempo, os investimentos em fósseis continuam altos

Com toda a confusão geopolítica em curso no planeta, não poderia haver um lugar melhor para receber a próxima Conferência do Clima do que o próprio Brasil, segundo Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente entre 2010 e 2016. Para a hoje consultora e conselheira de várias instituições, como o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), “a capacidade da democracia brasileira em recepcionar o mundo com as variações de manifestações da sociedade é sensacional.”

Segundo a bióloga, que também desempenhou papel-chave na negociação do Acordo de Paris, finalizado em 2015, será vital entender como os atores da Faria Lima e de fora dela vão discutir e colocar em perspectiva a questão climática. “A descarbonização é uma oportunidade para o Brasil, mas é preciso que o tema seja trabalhado de forma adulta, não de maneira polarizada ou enviesada”, afirma Izabella. Em entrevista, ela explica o que estará em jogo na COP30, e por que o mundo não avança na transição energética.

Izabella Teixeira: descarbonização é oportunidade para o Brasil — Foto: Wenderson Araujo/Valor

A partir da sua experiência na costura do Acordo de Paris, como vê a COP30? Quais pontos terão consenso em Belém?
Nem sei se o mundo hoje pode ter consenso em uma COP. O evento em Belém está muito mais na direção de entender o momento para se trabalhar em soluções práticas que realmente enfrentem as mudanças climáticas. Estamos vivendo uma mudança profunda na ordem internacional, e isso afeta diretamente a COP e o sistema multilateral. Todas as condições geopolíticas que permitiram a construção do Acordo de Paris há 10 anos mudaram. Paris foi um acordo político que possibilitou o engajamento global em relação ao clima. Hoje, a governança global está sob forte modificação, passando por discussões intensas. Os Estados Unidos mudaram sua abordagem, priorizando segurança energética baseada em combustíveis fósseis. Outros, como China e Índia, seguem movimentos próprios. Estamos discutindo segurança energética em um contexto de adição energética, não de transição.

O mundo não está substituindo suas fontes energéticas, então?
Não há substituição de uma matriz por outra, mas a adição de novas fontes de energia à matriz já existente. Os números mostram que nunca houve tanto investimento em energias renováveis, mas, ao mesmo tempo, os investimentos em fósseis continuam altos. A Europa, por exemplo, pode voltar a investir em carvão devido à crise energética causada pela guerra na Ucrânia. O cenário geopolítico influencia diretamente a questão climática, e isso precisa ser entendido no debate global. A eletrificação é fundamental para a descarbonização e está diretamente ligada à era digital e tecnológica, que depende de minerais estratégicos e novos materiais. Tudo isso demanda mais energia. Além disso, o aumento populacional e os eventos climáticos extremos elevam ainda mais as demandas. O consumo de energia para resfriamento, por exemplo, disparou globalmente. A matriz energética global ainda é majoritariamente fóssil, e as mudanças não acontecem na velocidade necessária.

O Brasil está descolado desse processo?
A posição brasileira é relativamente confortável em termos de matriz elétrica, que é baseada em fontes renováveis. No entanto, o país enfrenta desafios como a dependência do diesel, pois somos o sétimo maior consumidor mundial. A descarbonização traz oportunidades para o Brasil, mas também exige decisões estratégicas de curto, médio e longo prazo. Essas escolhas não podem ser pautadas por achismos, e sim por uma visão estratégica que envolva governo, setor privado, setor financeiro e a sociedade.

Em que medida a COP pode abordar esse debate energético em curso?
A reunião do clima não é apenas o evento em si, mas um processo que já começou e vai se estender até 2026, enquanto o Brasil estiver na presidência da COP. O país precisa definir como vai liderar esse debate globalmente e internamente, envolvendo diferentes setores e criando soluções realistas. Nossa matriz elétrica tem vantagens, mas também temos desafios complexos, como o crime organizado ligado ao desmatamento na Amazônia. A floresta é um componente essencial para a segurança climática global. Estamos tratando de um problema real e global, que exige maturidade e decisões estratégicas. O que decidirmos agora impactará as próximas décadas. A crise climática atual é resultado do que fizemos no passado. O que faremos hoje determinará o futuro, tornando-o mais ou menos vulnerável. O Brasil precisa encarar esse debate como país adulto, junto a outros adultos, e sem polarização. Esse é o verdadeiro desafio.

E esses adultos conseguirão decidir pelo futuro em Belém?
O papel do Brasil, como presidente da COP, será oferecer uma base para o debate, por exemplo, sobre financiamento para enfrentar a crise climática. Não haverá decisão específica sobre isso, mas a criação de um processo político para a definição de caminhos futuros. A decisão de que é preciso investir US$ 1,3 trilhão foi tomada na COP de Baku (ano passado). O Brasil e a presidência da COP29 vão oferecer uma visão sobre como buscar esses recursos. O que vai ocorrer é a apresentação de um relatório para avaliar o quão ambiciosos estão esses planos nacionais.

Mas essa COP pode mudar algo em relação à cultura existente sobre a crise climática em si?
No caso do brasileiro, é importante que ele entenda que faz parte das soluções globais. Não é algo distante. A descarbonização pode trazer oportunidades econômicas e sociais para o Brasil. Precisamos de pragmatismo e realismo para lidar com essas variáveis. O nosso país deve liderar e oferecer soluções. Somos um país com capacidade diplomática e econômica para influenciar o debate global. A COP30 será uma oportunidade para mostrar isso ao mundo. (*Do Valor)

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