Dia do Graffiti: conheça as mulheres que constroem as cenas pelos muros e ruas de Rio Branco

Artistas acreanas se tornaram parte fundamental no desenvolvimento de um cenário artístico verdadeiramente acreano

Hoje, 27 de março, é comemorado o Dia do Graffiti, data que homenageia Alex Vallauri, um dos precursores dessa arte no Brasil, falecido nesta data. A celebração destaca essa manifestação artística pertencente à cultura Hip Hop, que, através de intervenções feitas em muros e outras construções urbanas, traça criatividade, vivências e críticas.

Rapidamente, o graffiti se popularizou pelo mundo/Foto: Reprodução

O movimento, da forma como o conhecemos hoje, surgiu nas periferias de Nova York (EUA) durante os anos 1970, em um momento de intensas lutas sociais e experimentações artísticas que confrontavam os padrões de arte impostos. Rapidamente, o graffiti se popularizou pelo mundo, já que seu teor de denúncia se mostrava oportuno nos mais diversos contextos relacionados à classe trabalhadora e suas angústias em meio à escassez, crises e repressões.

No Acre, não foi diferente; a cena se desenvolveu após a criação de eventos e coletivos como RB Graffiti e TRZ Crew, além da persistência de artistas independentes, que passaram a utilizar essa manifestação artística para falar sobre suas aflições, tendo as mulheres como parte fundamental na construção de uma cena artística única.

Figuras como a grafiteira de 30 anos, Vandsmile, que integra o Centro Acreano de Hip Hop e é colaboradora do Comitê Chico Mendes, são exemplos notáveis. Ela conta que sempre gostou de desenhar e que se interessou pelo graffiti na adolescência: “Eu morava no Cadeia Velha e, em uma rua após a minha casa, havia um centro cultural. Por mais que eu não colasse lá, porque minha mãe e minha avó sempre foram extremamente cuidadosas e não me deixavam sair de casa, muito menos andar em lugares sozinha que não fossem a igreja, no meu caminho sempre tinham muitos graffitis nos muros”, relata.

“Dizer que ‘arte é coisa de gente desocupada, e graffiti/pixação é coisa de vagabundo’, são coisas que eu já ouvi na rua e até mesmo dentro de casa”, conta a artista que hoje é colaboradora do Comitê Chico Mendes/Foto: Cedida

Após o fim do ensino médio, Vandsmile teve mais liberdade para explorar a cena Hip Hop, mas precisou conciliar trabalhos em período integral e a arte, pintando tags (assinaturas) pelo centro de Rio Branco. Entretanto, o ponto de virada foi a partir de uma experiência comunitária no bairro Rosa Linda:

“A gente pôde revitalizar o muro de uma escola que estava cheio de frases misóginas. Ali, eu pintei, junto à mana Sara Jany (entre outros artistas), nosso primeiro mural de graffiti. E foi uma das experiências mais incríveis da minha vida, com as crianças e as pessoas interagindo, a comunidade fazendo o negócio acontecer de forma independente. Foi ali que virou uma chave e eu falei: É isso que eu quero fazer.”

Algo comum entre artistas desse meio é o interesse pelo desenho e pela pintura desde cedo, uma circunstância também compartilhada por Samily Lopes (Sam), artesã que conheceu o graffiti através dos movimentos sociais: “Foi na arte urbana que encontrei uma forma de me expressar livremente. No começo, fui aprendendo sozinha e com outros artistas, errando, experimentando e buscando referências”.

Samily expressa que ser mulher no graffiti é um desafio mas que isso a impulsionou a se aperfeiçoar e abrir o caminho para outras/Foto: Reprodução

Natielly Castro (Natdepoesia), que também é produtora cultural, poeta e arte-educadora, foi introduzida em 2020 durante a pandemia. O que era para ser um momento de isolamento em todos os sentidos abriu sua mente para a arte através de um evento online do TRZ Crew, coletivo do qual até hoje faz parte. “Eles já realizavam alguns projetos e, através de um desses, eu tive contato pela primeira vez no ‘Cultura Online’, que aconteceu na época da pandemia”, relata.

“Eu acho que a cena acreana do grafite tem ganhado uma força muito grande, principalmente a partir do ano de 2022. E acho que o que diferencia a cena do nosso estado, principalmente, é essa identidade amazônica que ela carrega”, conta Natielly

Já a psicóloga da Ouvidoria do Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), Tabita Lima (Tab), que dedica suas horas vagas à arte, começou a grafitar recentemente, em 2023. Ela conta que quem a apresentou ao graffiti foi o irmão; porém, a responsável por dar o incentivo definitivo foi Vands, sua amiga desde quando eram alunas do Colégio Acreano.

Tabita fala que o Acre tem um potencial imensurável quando se trata de arte, mas que precisa de visibilidade/Foto: Cedida

Assim como Natielly, Ester Anedino (Esa), empresária e produtora cultural, também conheceu a arte através de projetos culturais. Hoje, é dona da única loja voltada para artistas e entusiastas da prática, a “Graffiti Shop”. Para ela, as mulheres têm a capacidade de trazer diferentes perspectivas, narrativas e estilos à arte urbana e salienta que elas fortalecem o movimento, apesar de a presença feminina não ser tão forte como deveria ser.

“Uma das maiores dificuldades que enfrentei foi o fato de a cena do graffiti ser predominantemente masculina. No início, tive que buscar referências femininas pela internet, pois eram poucas as mulheres ocupando esses espaços”, conta.

“É importante se conectar com a cena local, trocar experiências com outros artistas e participar de eventos, oficinas e mutirões”, é que Ester conta a quem deseja iniciar/Foto: Cedida

Outros obstáculos relatados por elas são o custo do material para pintura, que não é acessível a todos devido ao preço, a falta de incentivo público e o receio de transitar pelas ruas, frente aos altos índices de violência contra a mulher. Apesar dessas problemáticas, a arte trouxe a elas o reconhecimento do trabalho realizado e a possibilidade de transformar o que antes foi um hobby em profissão. “Eu acho que essa foi a maior recompensa: ter entrado para esse coletivo (TRZ Crew) e hoje ser uma arte-educadora que usa o grafite para levar acesso a outras pessoas”, conta Natielly.

Quando se trata dos primeiros passos, elas sugerem que quem tem interesse deve procurar pessoas de referência, coletivos e aproveitar as oportunidades de aprender e praticar em oficinas. “Não existe talento, existe esforço e persistência. Então, se você quer, pode confiar na sua intuição.”

Segundo Vands, compartilhar seu conhecimento, colaborar com diferentes organizações e usar o graffiti como forma de amplificar pautas é gratificante: “Posso usar a minha arte aliada ao ativismo em prol de algo muito maior, que é a preservação da Amazônia e a nossa existência enquanto humanidade.” Temas sociais, como o ambientalismo, que, segundo Samily, marcam uma assinatura especial ao graffiti acreano: “O que nos diferencia é a resistência e a criatividade das artistas, que muitas vezes criam com poucos recursos, mas trazem uma estética única, influenciada pela cultura e história do nosso povo.”

Temas sociais, como o ambientalismo marcam uma assinatura especial ao graffiti acreano/Foto: Reprodução

Para conhecer o trabalho das artistas, acesse seus perfis no Instagram: @vandsmile (Vandsmill), @natidepoesia (Natielly Castro), @tabtreibaeu (Tabita Lima) e @asageaffitiac (Ester Anedino).