As declarações do presidente dos Estados Unidos sobre tomar o controle da Faixa de Gaza causaram espanto e preocupação entre palestinos e líderes mundiais. Donald Trump chegou a dizer que, se necessário, enviaria militares para o território palestino.
O presidente dos Estados Unidos chocou o mundo ao apresentar o plano dele para o futuro de Gaza. Primeiro no Salão Oval, quando defendeu que todos os palestinos fossem realocados em outros países permanentemente. Depois, na coletiva para a imprensa, quando logo na declaração inicial, Donald Trump leu as palavras preparadas, sem improviso:
“Os Estados Unidos vão tomar a Faixa de Gaza e trabalharemos lá. Seremos donos dela e responsáveis por desmantelar todas as bombas perigosas não detonadas e outras armas no local, nivelar o terreno e nos livrar de todos os prédios destruídos. Vamos criar desenvolvimento econômico, que vai gerar números ilimitados de emprego e moradia para as pessoas da área”, disse Trump.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, elogiou Trump. Disse que é o melhor amigo que Israel já teve na Casa Branca. Questionado se os Estados Unidos enviariam tropas para Gaza, Trump respondeu:
“Se for necessário, faremos isso. Tomaremos aquele pedaço e vamos desenvolvê-lo” .
O presidente sugeriu até que Gaza poderia se tornar um local turístico:
“Teremos uma oportunidade de fazer algo que pode ser fenomenal: a Riviera do Oriente Médio”, disse Trump.
A correspondente Raquel Krähenbühl perguntou a Trump se a proposta de realocar todos os palestinos significava que não apoiava uma solução de dois Estados, como ele próprio defendeu no passado. O presidente desconversou:
“Não significa nada sobre dois Estados ou um Estado ou qualquer outro Estado. Significa que queremos dar às pessoas a chance de uma vida que elas nunca tiveram porque a Faixa de Gaza tem sido um inferno para as pessoas que vivem lá. O Hamas tornou o lugar tão ruim, tão perigoso. E ao fazer isso, achamos que vamos trazer talvez uma grande paz para todos no Oriente Médio, árabes, muçulmanos”.
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Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca/Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
Nesta quarta-feira (5), a porta-voz da Casa Branca voltou atrás em algumas declarações mais controversas do presidente. Karoline Leavitt afirmou que Trump não se comprometeu a enviar tropas americanas para Gaza, que os Estados Unidos não vão pagar pela reconstrução do território e que o realocamento dos palestinos para outros lugares deve ser temporário, não permanente.
As declarações de Donald Trump pegaram até assessores dele de surpresa. A porta-voz da Casa Branca disse que é Trump sendo Trump — com ideias originais para atingir o objetivo final, que é a paz duradoura no Oriente Médio. Alguns assessores e aliados do Partido Republicano viram como um blefe para forçar acordos. Outros afirmaram que Trump tem, sim, discutido a construção de um resort à beira-mar em Gaza.
A carta da ONU determina que todos os países devem respeitar a soberania e a integridade territorial dos outros países. Também proíbe o uso da força por um Estado contra o outro. Atualmente, os Estados Unidos não reconhecem a existência de um Estado Palestino, mas o direito internacional considera que territórios como Gaza devem ser protegidos de tentativas de agressão e ocupação.
O deslocamento forçado de uma população — nesse caso, os palestinos para fora de Gaza — é considerado crime contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional.
O ex-embaixador de Israel e analista político Alon Pinkas afirmou:
“Você não pode expulsar 2,3 milhões de pessoas sem o consentimento delas. Se você vai tirá-las à força, isso é limpeza étnica”.
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Declarações de Donald Trump sobre tomar controle da Faixa de Gaza causam espanto entre palestinos e líderes mundiais/Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
As declarações do presidente indicam, ainda, uma mudança no compromisso de longa data dos Estados Unidos com a solução de dois Estados – um israelense e um palestino – convivendo pacificamente lado a lado. Esta solução tem o apoio da maioria da comunidade internacional e prevê a criação de um Estado Palestino formado pela Cisjordânia e pela Faixa de Gaza, com Jerusalém Oriental como a capital.
Pinkas explica que os Estados Unidos não têm autoridade para tomar a Faixa de Gaza porque os Acordos de Oslo, firmados em 1993 com apoio americano, estabelecem que a Autoridade Palestina tem soberania sobre o território. Ainda que atualmente não governe Gaza, que é controlada pelo grupo terrorista Hamas.
O ex-embaixador avaliou que Trump está tratando Gaza como um empreendimento imobiliário e destacou que o presidente age de forma imprevisível e que daqui a um mês, tudo pode mudar.
Repercussão mundial
De surpresa à indignação. As reações se espalharam pelo mundo. Os dois países citados por Donald Trump para acolher os habitantes da Faixa de Gaza refutaram o plano.
O rei Abdullah, da Jordânia, rejeitou qualquer tentativa de outros países de anexar terras e deslocar os palestinos. O rei da Jordânia – que na semana que vem vai se reunir com Trump na Casa Branca – recebeu nesta quarta-feira (5) o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. O Egito afirmou que apoia planos para recuperação da Faixa de Gaza, porém sem que os palestinos tenham que deixar o território.
Trump também não teve apoio de um importante aliado estratégico no Oriente Médio. O presidente americano disse que os sauditas não estavam exigindo um Estado Palestino, mas a Arábia Saudita rebateu: sem um Estado Palestino não vai reestabelecer laços com Israel. O príncipe herdeiro Mohammad bin Salman afirmou que não há brechas para qualquer interpretação de uma posição que é clara e explícita. A declaração frisou: “É inegociável”.
O Catar disse que é muito cedo para falar sobre o reassentamento de palestinos e que está ocupado tentando negociar a segunda fase do cessar-fogo entre Israel e o Hamas.
Na Europa, o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, disse:
“Nós devemos estar com os palestinos na reconstrução no caminho para uma solução de dois Estados”, disse Keir Starmer.
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Declarações de Donald Trump sobre tomar controle da Faixa de Gaza causam espanto entre palestinos e líderes mundiais/Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
A ministra das Relações Exteriores da Alemanha reforçou que Gaza pertence aos palestinos, que expulsá-los seria inaceitável e provocaria mais sofrimento e ódio.
A porta-voz do ministério francês afirmou que qualquer deslocamento forçado da população palestina seria uma violação grave do direito internacional e um grande fator desestabilizador para o Oriente Médio.
Em Genebra, o escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos destacou que é crucial reconstruir a Faixa de Gaza, mas com total respeito ao direito internacional. A ONU frisou: as leis são muito claras. Qualquer transferência forçada ou deportação de pessoas de um território ocupado é estritamente proibida.
O secretário-geral da ONU voltou a defender a solução de dois Estados. Sem citar o presidente americano, António Guterres afirmou:
“Na busca por soluções, não devemos agravar o problema. É vital permanecer fiel ao direito internacional. É essencial evitar qualquer forma de limpeza étnica”.
O presidente Lula criticou a declaração de Donald Trump em uma entrevista que concedeu a emissoras de rádio mineiras.
“Quem tem que cuidar de Gaza são os palestinos. O que eles precisam é ter uma reparação de tudo aquilo que foi destruído para que eles possam reconstruir as suas casas, os seus hospitais, as suas escolas e viver dignamente, com respeito. É por isso que nós defendemos a criação do Estado Palestino, igual ao Estado de Israel, e estabelecer uma política de convivência harmônica, porque é disso que o mundo precisa”, disse Lula.

