Os eventos climáticos tem se tornado mais extremos com o passar dos anos, como por exemplo as últimas enchentes que ocorreram no estado do Acre, e para encará-los de maneira que mitiga o impacto na vida da população é necessário uma série de ações preparatórias.
O grupo do Nepse atuou de forma direta na ultima alagação em Rio Branco/Foto: Cedida
Entretanto, dentre estas ações não existem apenas aquelas que tratam da estrutura e saúde física das pessoas afetadas pelas águas, também se faz necessário o apoio psicológico.
Para explicar como a psicologia pode atuar no pré, durante e pós situações climáticas extremas, visando diminuir os danos causados à população, o Núcleo de Ensino, Extensão e Pesquisa Psicossocial Euclides Fernandes Távora (Nepse), capitaneado pelo professor Leandro Rosa, falou sobre possíveis ações junto às comunidades afetadas. Junto ao professor, um grupo de alunos também se fez presente, dividindo suas experiências.
O grupo comenta que o processo de acolhimento das pessoas afetadas pela enchente deveria ser realizado antes mesmo do início do período de elevação das águas. Alberto Siqueira é um dos estudantes de psicologia que faz parte do Nepse, e já foi atingido de forma direta pelas enchentes na cidade de Rio Branco.
“Nossa visão para esse período já se torna pessimista, sem esperança. Por exemplo, nós não compramos muitos móveis, porque sempre achamos que vai alagar de novo. Perdemos a vontade de fazer reformas na casa. Eu e minha mãe temos um olhar menos esperançoso”, conta o jovem.
Ele relata ainda que observar as marcas deixadas no seu quarto pelas águas da enchente fazem com que ele se sinta constantemente em afogamento, como se ainda estivesse preso nos momentos em que viu sua casa inundada, sendo constantemente relembrado do momento traumático.
Isabel Rodrigues também é estudante de psicologia e integrante do Nepse, e comenta que não é efetivo agir apenas após a alagação ou durante a estadia e que o ideal seria a Defesa Civil realizasse encontros e ajudasse as comunidades dos bairros a realizarem as primeiras ações em casos como esse, para que eles fazem as primeiras ações enquanto a força do estado se mobiliza para a atuação o mais rapidamente possível.
Rio Acre registrou segunda maior enchente da história em 2024. Foto: Gleison Junior
“Sabemos que tem bairros que sempre alagam, porque não temos políticas públicas fixas voltadas para eles? Muitas vezes a própria comunidade se junta pra agir nesses momentos, porque as políticas públicas não podem atuar de forma próxima a essas pessoas? Não adianta termos apenas campanhas pontuais como janeiro brando e setembro amarelo, precisamos cuidar de forma constante”, diz a estudante.
Ela também explica que uma das maneiras de promover saúde mental para essas pessoas durante o período destes desastres ambientais, incluindo o pré e o pós, é trazer a sensação de amparo, que poderia ser criada através de uma aproximação dos agentes públicos junto às comunidades dos bairros costumeiramente afetados.
A sugestão é que se criem grandes coletivos nos locais atingidos anualmente pelas águas, criando uma rede de apoio do bairro, para o próprio bairro, recebendo instrução e recursos dos agentes de órgãos competentes.
Rodrigues diz ainda que essa coleta de dados, de disponibilidade de pessoas para atuarem nestes momentos, assim como a necessidade de um apoio psicológico maior ou menor por parte de cada indivíduo do bairro, poderia ser realizada através dos serviços de saúde, que recebem grande parte da população em suas unidades, assim como os que realizam visitas nas casas, aproveitando de um sistema público que já atua próximo aos grupos para otimizar a atuação das prefeituras e do governo do estado no que toca, principalmente à Saúde e Defesa Civil.
O grupo enfatizou ainda que as comunidades conseguem se organizar minimamente, mas o apoio do estado se faz necessário para terem mais recursos para evitarem maiores desastres.
Além disso, quanto aos possíveis problemas psicológicos enfrentados por pessoas que passam por desastres climáticos, os estudantes, junto ao professor, explicam que muitos deles não estão necessariamente ligados, de maneira direta, aos problemas enfrentados por conta das enchentes, mas que eram adoecimentos previamente existentes, que vem a tona no momento de fragilidade, indicando que a população é carente da assistência psicológica.
A saúde se prepara
O Secretário Municipal de Saúde, Rennan Biths, afirmou que a atenção à assistência psicossocial para este momento é algo que vem sendo discutido internamente e certamente será um ponto de melhora nas ações deste ano.
O secretário municipal de Saúde contou um pouco sobre os próximos passos a serem dados no combate as enchentes/Foto: Ascom
Biths explica que os atendimentos deverão ser feitos através das unidades de atendimento à saúde primária, e que aqueles indivíduos que forem identificados como necessitados de cuidados de cunho psicológico poderão ser encaminhados para as unidades competentes após o período que ficarem nos abrigos.
“A ideia é que a gente ofereça um um atendimento específico e pontual dentro do parque de exposições e as pessoas que a gente identificar tendo esse perfil, de precisar de uma acompanhamento mais próximo, a ideia é que a gente faça a inserção delas dentro da rede de atenção psicossocial, tendo como grande foco os CAPs”, explicou o secretário.
O secretário ainda afirma que a atuação junto à Defesa Civil ocorrerá de maneira natural, assim que for solicitada. “Quando a condição de emergência ela se instala, de certa forma todo mundo tá subordinado à Defesa Civil, então estaremos a postos trabalhando lado a lado”, explicou ele, enfatizando que, caso a Saúde seja convocada para participar de quaisquer ações envolvendo as enchentes, e seus efeitos, ele estará à disposição.
Defesa Civil e a comunidade
O coordenador da Defesa Civil, coronel Cláudio Falcão, afirma que existem planos para realizar uma atuação em conjunto com a comunidade, entretanto o número de agentes do órgão é baixo, frente ao quantitativo necessário que seria necessário para realizar o treinamento de grupos em todos os bairros.
“Ninguém conhece o bairro melhor do que quem mora nele, mas é preciso haver um treinamento dessas pessoas, senão elas podem se tornar mais uma vítima durante estes momentos”, explica Falcão.
Coronel Cláudio Falcão falou sobre ações em conjunto com a comunidade para o combate as enchentes/Foto: Marcos Araújo/Assecom
Ele ainda ressalta que já existem projetos para criação de grupos piloto, ainda neste ano de 2025, para o combate às enchentes ser iniciado já pelos membros das comunidades locais, que ajudaram a Defesa Civil, para além das ações iniciais, com uma filtragem dos espaços que necessitam de ajuda mais emergencial.
“Às vezes as pessoas nos acionam descrevendo uma situação que não é tão urgente assim, com essas equipes treinadas, compostas por moradores dos próprios bairros, eles irão nos ajudar a filtrar melhor onde precisamos atuar com mais urgência”, explicou
O coordenador da Defesa Civil destaca ainda que, dos mais de 200 bairros da capital acreana, 92 deles são considerados locais de risco, relacionado à alagação, e que por isso as ações em conjunto com a comunidade se fazem necessárias.
Falcão encerra explicando sobre o treinamento necessário a ser passado para a comunidade, como forma de ampará-la. “O treinamento mostra para eles como reconhecer perigos durante a enchente e como agir frente a eles, como fazer as retiradas dos móveis de maneira correta por exemplo e demais ações”, explica ele, enfatizando que projetos dentro das escolas, realizados pela Defesa Civil, também existem, visando preparar a população desde a infância para agirem caso seja necessário.