Entenda: Por que incêndio na Califórnia se tornou mais intenso e se espalha com mais velocidade?

Estudo da Science revelou que fogo no estado americano se propagam 4 vezes mais rapidamente agora do que há 20 anos

tempestade de fogo que se abateu sobre a Califórnia causa terror, mas não surpresa. É o evento mais recente de uma sequência progressivamente mais devastadora de incêndios florestais no estado. O fogo se torna mais intenso e se espalha mais rapidamente agora do que no início do século. Os 10 incêndios florestais mais destrutivos da história da Califórnia ocorreram desde 1991. O estado é historicamente vulnerável ao fogo em florestas. Mas desde 2020 eles passaram a se espalhar quase quatro vezes mais depressa do que há 20 anos, revelou um estudo na Science. Os ventos desta semana são os mais fortes na região em dez anos, chegando a 160 km/h.

Bombeiros combatem incêndio na Igreja Presbiteriana de Pacific Palisades, em Los Angeles, em 7 de janeiro de 2025 — Foto: Mark Abramson/The New York Times

O mesmo estudo, liderado por cientistas das universidades do Colorado e da Califórnia, também indicou que em todo o Oeste dos EUA os incêndios se intensificam 250% mais rápido do que em relação a 2001. E dados do Departamento Florestal e de Proteção Contra Incêndios da Califórnia (Cal Fire) mostram que a área queimada nos últimos dez anos é 1,6 vez maior que a área média queimada por década desde 1979.

A realidade se encaixa nas previsões sobre o impacto das mudanças climáticas, que têm intensificado vento, seca e temperatura; combinadas à ação humana, com a ocupação de áreas de risco ao fogo.

Desastre humano

A maioria dos incêndios é causada por pessoas, seja intencionalmente ou não. Uma estimativa da Administração de Oceanos e Atmosfera dos EUA (Noaa, na sigla em inglês) indicou que 84% dos incêndios florestais no país são decorrentes de atividades humanas. Os raios provocam os 16% restantes. Cerca de 95% dos incêndios registrados pelo Cal Fire foram ateados por pessoas.

As encostas das montanhas californianas são cobertas por florestas naturalmente inflamáveis. Pinheiros e outras árvores coníferas têm grande quantidade de resinas, que queimam rapidamente. Somado a isso, o solo acumula folhas mortas, alimentando as chamas. A redução das chuvas nos últimos anos deixou a vegetação mais seca e suscetível ao fogo. Este ano, o inverno tem sido marcado por menos chuva ainda. Mas o que faz o fogo se espalhar a uma velocidade espantosa é o vento.

— Um período prolongado de chuvas excepcionalmente escassas, somado aos ventos áridos de Santa Ana soprando das áreas do interior, criaram as condições perfeitas para o desastre. A vegetação extremamente seca se inflama facilmente na baixa umidade — afirma Kimberley Simpson, da Faculdade de Biociências da Universidade de Sheffield.

Santa Ana e o Diabo

O Serviço de Meteorologia dos EUA informou que os ventos têm chegado a 160 km/h, espalhando velozmente as chamas. São ventos catabáticos, que costumam soprar na Califórnia com mais intensidade a partir de setembro e se formam devido à diferença de temperatura e densidade do ar em diferentes altitudes. Costumam ocorrer em regiões de montanhas elevadas. À noite, o ar na parte superior da montanha esfria mais rapidamente do que nas regiões mais baixas.

Devido à gravidade, o ar frio, mais denso, desce a montanha. Ao descer, o ar se aquece, mas continua mais seco e quente do que o ar que está parado no vale. Com isso, o vento leva o ar seco e quente das regiões montanhosas para áreas mais baixas. Ele resseca a vegetação e produz condições ideais para a propagação do fogo.

No sul da Califórnia, os catabáticos são chamados de Ventos de Santa Ana. No norte, recebem o nome de Ventos do Diabo. Eles trazem calor e secura dos desertos de Nevada e Utah. Em geral, sopram com mais força durante a noite e madrugada, quando a diferença de temperatura entre a montanha e o vale é maior.

Piroceno, a era do fogo

Embora os ventos catabáticos sejam mais frequentes no outono e no inverno, Simpson, como os demais especialistas em incêndios florestais, destaca que esse tipo de condição agora ocorre em qualquer época do ano devido às mudanças climáticas.

Em janeiro de 2020, em outro grande incêndio florestal na Costa Oeste dos EUA, o historiador e especialista em incêndios florestais Stephen Pyne, professor emérito da Universidade Estadual do Arizona, cunhou e popularizou a palavra piroceno, ou era do fogo. Baseado em ciência, Pyne se tornou profético. Incêndios florestais têm se tornado maiores e mais devastadores mundo afora.

Cientistas destacam que na origem está o homem. Seja nas mudanças climáticas, em práticas agrícolas inadequadas aos novos tempos, para ocupar terra ou mesmo quando, paradoxalmente, se busca de mais qualidade de vida. Um número cada vez maior de pessoas vive em lugares de risco notório de incêndio por opção.

Riscos da riqueza

Na Califórnia, as encostas florestadas altamente sujeitas a incêndios são disputadas por celebridades e ricos, atraídos por panoramas espetaculares. Rory Hadden, professor de Ciência do Fogo da Universidade de Edimburgo, salienta que as paisagens precisam ser gerenciadas para acompanhar o aumento do perigo de incêndio impulsionado pelas mudanças climáticas.

— Esse é um enorme desafio para os governos, pois existem muitas questões políticas associadas ao manejo de espaços naturais. A Califórnia já tem algumas diretrizes excelentes, mas são difíceis de aplicar e de serem implementadas em alguns casos — diz.

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