Venezuela impôs condições para conceder salvo-condutos a asilados na Embaixada argentina em Caracas, diz chanceler

Governo Maduro teria exigido que Argentina libertasse uma pessoa próxima ao regime chavista e que salvo-conduto fosse concedido a Jorge Glas, ex-presidente do Equador. O pedido, contudo, foi negado

O governo chavista da Venezuela condicionou a concessão de salvo-condutos para que os seis colaboradores da líder opositora María Corina Machado — refugiados há quase nove meses na embaixada da Argentina em Caracas — pudessem deixar o país, revelou na terça-feira o chanceler da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, sem especificar quando as negociações ocorreram. Entretanto, o pedido para fornecer passagem segura ao ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas, preso desde abril, foi negado pelos governos do Equador e Argentina, disse nesta quarta-feira a ministra das Relações Exteriores do país, Gabriela Sommerfeld.

A chanceler equatoriana explicou que entre agosto e setembro recebeu ligações da Colômbia e do Brasil que transmitiram a proposta venezuelana.

— Quando esta proposta nos foi feita, claro, o presidente [Daniel Noboa] deu uma diretriz muito clara: aqui não somos a favor da impunidade, aqui não somos a favor da corrupção e aqui não somos aliados do regime de [Nicolás] Maduro — disse Sommerfeld em entrevista à rádio Democracia. — Diante dessa proposta, o Equador simplesmente a descartou.

Além de solicitar passagem segura para Glas, a Venezuela também propôs que a Argentina libertasse uma pessoa próxima ao governo.

— Os dois países rejeitaram a proposta do regime de Maduro — disse Sommerfeld.

O plano de Caracas foi conhecido na véspera, quando Murillo declarou que seu país atuou como mediador para resolver a crise de vários meses entre Maduro e seu homólogo argentino, Javier Milei.

— Eles exigiam que a Argentina libertasse uma pessoa próxima ao governo venezuelano e que fosse concedido um salvo-conduto ao Jorge Glas — explicou Murillo, sem revelar o nome do detido. — Nós oferecemos assumir a embaixada argentina (sob custódia do Brasil desde agosto), e fui pessoalmente ao Brasil por instrução do presidente [colombiano, Gustavo Petro]. Depois fui ao Equador porque, em nossa conversa com o governo da Venezuela, tínhamos conseguido que fossem emitidos os salvo-condutos para essas seis pessoas.

Glas foi vice-presidente no governo de Rafael Correa (2007-2017), um forte aliado do falecido ex-presidente venezuelano Hugo Chávez (1999-2013). Desde 2017, ele cumpria uma condenação por corrupção, mas foi libertado em novembro de 2022 graças a um habeas corpus. No mesmo ano, ele buscou refúgio na embaixada mexicana em Quito. O México concedeu asilo, mas o presidente do Equador considerou a medida como ilegítima — e ordenou, em abril, que a polícia e as Forças Armadas invadissem a sede diplomática para prendê-lo.

O Ministério das Relações Exteriores da Colômbia já havia rejeitado o cerco à embaixada argentina em Caracas na segunda-feira, num comunicado que respondia às críticas internas ao governo Petro por não condenar Maduro com mais veemência. No texto, a chancelaria colombiana reiterou seu pedido ao governo venezuelano para que respeite o direito internacional, lembrando que a “crise política e humanitária na Venezuela transformou a Colômbia em um país de trânsito e acolhida para milhões de migrantes”, reafirmando a “tradição histórica” do país de “oferecer refúgio e asilo àqueles que precisam”.

Com mais de 2,2 mil quilômetros de fronteira compartilhada, a Colômbia é o principal destino da diáspora venezuelana, abrigando cerca de três milhões de migrantes que fugiram da inflação, da escassez de alimentos e medicamentos ou da insegurança nos últimos anos. Esse fluxo agora inclui também aqueles que escapam da repressão e da perseguição política após as eleições presidenciais, contestadas pela oposição.

A diplomacia colombiana tem sido muito ativa na tentativa de mediar uma saída negociada entre o governo e a oposição venezuelana, até agora sem maiores resultados. Petro insiste que não haverá reconhecimento de um vencedor sem a comprovação das atas eleitorais — tópico enfatizado por Murillo, mas questionado em Caracas, onde o chanceler é visto com desconfiança por já ter sido embaixador nos Estados Unidos. Ainda assim, não houve o rompimento de relações entre Colômbia e Venezuela, e o líder colombiano disse que “no devido tempo” decidirá se comparecerá à cerimônia de posse de Maduro, em 10 de janeiro.

— Não podemos tratar de assuntos diplomáticos confidenciais nas redes — defendeu Murillo na terça-feira, em resposta às críticas enfrentadas pelo governo à medida que a data da posse se aproxima. — Eles não podem sair dizendo que não fizemos nada quando não têm informações. Ou eles querem desinformar, ou não têm os dados completos.

Crise na embaixada

Com a crise na embaixada da Argentina em Caracas prestes a completar nove meses, o governo venezuelano intensificou a pressão contra a sede diplomática, onde entraram em 20 de março os opositores Magalli Meda, Pedro Urruchurtu, Omar González, Humberto Villalobos e Claudia Macero, membros da equipe mais próxima de María Corina Machado, e o político Fernando Martínez Mottola. O grupo buscou refúgio no local após serem emitidas ordens de prisão contra eles sob acusação de envolvimento em conspirações. De lá, coordenaram a campanha eleitoral que levou o ex-diplomata Edmundo González Urrutia a desafiar Maduro.

As desavenças diplomáticas entre Venezuela e Argentina tiveram vários marcos nos últimos meses. Após as eleições, a rejeição do governo de Milei aos resultados incompletos que proclamaram Maduro vencedor levou à ruptura das relações entre os dois países e à expulsão do pessoal diplomático argentino, com o Brasil assumindo a representação dos interesses da Argentina na Venezuela. Em setembro, as forças de Inteligência aumentaram a vigilância da embaixada e revogaram a autorização dada ao Brasil para proteger a missão diplomática e seus ocupantes — tarefa que o governo brasileiro continua a assumir.

O cerco à embaixada, com a presença excessiva de homens armados e encapuzados, barulhos constantes e luzes de sirenes, além do corte de serviços básicos, levou a situação ao extremo. Nos últimos dias, os seis dirigentes têm vivido em situação de sobrevivência. Na última semana, ficaram sozinhos na residência, sem a equipe da embaixada. Por razões de segurança, a Argentina mandou seus funcionários para casa. Após isso, a polícia deteve um motorista que trabalhava para a embaixada.

Segundo a Argentina, os seis opositores refugiados na embaixada do país enfrentam cortes de água e do fornecimento de energia elétrica, restrições na entrada de alimentos e a “presença constante das forças de segurança nas imediações da sede diplomática”. (Com AFP)

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