As medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha devem ser aplicadas enquanto houver risco à mulher, sem a fixação de prazo certo de validade. A decisão é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento de recursos repetitivos. De acordo com o colegiado, as medidas protetivas de urgência têm natureza de tutela inibitória e não se vinculam à existência de instrumentos como inquérito policial ou ação penal.
Autor do voto que prevaleceu no julgamento, o ministro Rogério Schietti Cruz destacou que a Lei prevê de forma expressa a concessão das medidas protetivas de urgência independentemente de tipificação penal, ajuizamento de ação, existência de inquérito ou de registro de boletim de ocorrência.
Para o ministro, a alteração legislativa buscou afastar definitivamente a possibilidade de se atribuir natureza cautelar às medidas. Schietti afirmou também que o risco de violência doméstica pode permanecer mesmo sem a instauração de inquérito policial ou com seu arquivamento, ou sem o oferecimento de denúncia ou o ajuizamento de queixa-crime.
“Não é possível vincular, a priori, a ausência de um processo penal ou inquérito policial à inexistência de um quadro de ameaça à integridade da mulher”, disse o magistrado.
O ministro também lembrou que a alteração recente no artigo 19 da Lei Maria da Penha trouxe, em seu parágrafo 6º, a previsão de que as medidas protetivas de urgência devem vigorar enquanto persistir “o risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes”. Isso significa que as medidas, além de não estarem associadas a um procedimento principal, tampouco têm sua duração relacionada ao resultado do processo penal.
Esse entendimento – prosseguiu – não afeta os direitos do acusado, pois ele pode provocar o juízo de origem quando entender que a medida inibitória não é mais pertinente. “O que não nos parece adequado, e muito menos conforme ao desejo de proteção e acolhimento da mulher vítima de violência em razão do gênero, é exigir dela um reforço periódico de seu desejo de manter-se sob a proteção de uma medida provisória urgente”, alertou.
Para o magistrado, exigir que a mulher vá ao fórum ou à delegacia de polícia para solicitar, a cada três ou seis meses, a manutenção da medida protetiva implicaria uma revitimização e, consequentemente, uma violência institucional.
O cenário foi analisado em um dos recursos representativos da controvérsia, no qual a Terceira Seção atendeu ao pedido do Ministério Público de Minas Gerais para que as medidas protetivas concedidas a uma mulher fossem mantidas sem a vinculação a prazo certo de validade. No âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, as medidas haviam sido concedidas por seis meses.
“As medidas protetivas devem perdurar o tempo necessário à cessação do risco, a fim de romper com o ciclo de violência instaurado. Não há, portanto, como quantificar, de antemão, em dias, semanas, meses ou anos, o tempo necessário à cessação do risco”, finalizou o ministro ao dar provimento ao recurso especial.