Jornalista do Acre lança livro sobre o segundo maior acidente aéreo do Acre e relembra tragédia

Buscando manter viva a memória do acidente aéreo envolvendo o voo rico 4823, o jornalista e escritor Pitter Lucena lançou livro intitulado Voo da Morte

O voo rico 4823 deveria ser apenas mais um trajeto corriqueiro entre Cruzeiro do Sul e Rio Branco, com habitual escala em Tarauacá, entretanto a viagem do dia 30 de agosto de 2002 não teve o desfecho esperado.

A aeronave de modelo Embraer EMB-120 Brasília sofreu um acidente, pouco antes de chegar à capital acreana, após enfrentar uma tempestade. O avião caiu a cerca de 1.500 metros do aeroporto de Rio Branco, onde faria sua aterrissagem.

Buscando manter viva a memória do acidente aéreo envolvendo o voo rico 4823, o jornalista e escritor Pitter Lucena lançou livro intitulado Voo da Morte, contando diversos detalhes do voo, antes, durante e depois dele.

“A tragédia com o voo 4823 da Rico Linhas Aéreas, em 2002, deixou marcas profundas em minha memória. Desde aquele dia, senti que essa história precisava ser contada. A sensação de que um livro poderia nascer desse evento doloroso me perseguiu por mais de vinte anos. E foi com esse pensamento que resolvi, enfim, colocar minha memória para funcionar e minhas mãos nas teclas do meu velho laptop, para contar essa história que tanto me marcou”, explicou ele.

O livro surge como uma maneira de manter viva as memórias do acidente/Foto: Reprodução

Para além de Lucena, o livro conta com a colaboração de outros dois jornalistas, sendo eles Resley Saab e Gleilson Miranda. O primeiro deles pesquisa aviação, e trabalhou com um consultor, esclarecendo termos técnicos e contextualizando algumas das informações, enquanto o segundo é fotojornalista e trabalhou na linha de frente do acidente, fazendo registros que auxiliaram no reavivamento da história.

“Escrever sobre o voo da morte foi, para mim, uma jornada de reencontro com a dor e a perda, mas também de honra e de respeito às vidas interrompidas naquela noite de agosto de 2002. Cada palavra escrita é um tributo a todos que partiram e àqueles que, de alguma forma, foram tocados por essa tragédia”, conta Lucena sobre como foi lidar com uma temática tão densa.

O autor do livro trabalhou na cobertura jornalística do acidente/Foto: Reprodução

Lucena, para além de contar a história do incidente, traz a tona histórias daqueles que, de uma forma ou de outra, “sobreviveram” à queda, seja por não ter embarcado no voo pelo acaso do destino, ou por de fato terem vivido o desastre aéreo e ficado em terra para contar a história.

“Cada um de vocês, com suas cicatrizes invisíveis e vozes marcadas pelo tempo, nos presenteia com algo precioso: o testemunho de que mesmo nas piores tragédias, há força, fé e vida”, agradece o escritor.

Lucena em pessoa também fez parte de tudo, esteve presente, como jornalista, na cobertura do evento.

“Naquela noite chuvosa, eu era um repórter do jornal A Gazeta de Rio Branco (…) Recebi um telefonema de um jornalista da Folha de São Paulo que mudou tudo. ‘Um avião caiu em Rio Branco’. Corri para o Pronto Socorro, onde os corpos das vítimas começaram a chegar. As famílias se aglomeravam em busca de notícias, os gritos de dor e desespero ecoavam como um lamento contínuo. A cada novo corpo que chegava, a esperança se esvaía um pouco mais”, revela ele sobre a experiência de estar no local para onde os corpos estavam sendo levados.

Sobre os desafios de se escrever o livro, Lucena revela que se viu preso em um dilema, assim que o processo de escrita se iniciou.

Aeronave envolvida no acidente, no ano de 1989, pela DLT/Foto: Reprodução

“Como narrar um evento tão doloroso sem cair na banalização? Como dar ao leitor uma experiência próxima da realidade sem transformar o sofrimento em espetáculo? A resposta, acredito, está na honestidade com que relato os fatos, na transparência em revelar o que vi, ouvi e senti”, relata ele.

Por fim, o jornalista ainda fala sobre a ideia central, o seu motivador, da construção do material, que foi manter viva as lembranças sobre o 30 de agosto de 2002.

“A ideia de ‘O Voo da Morte’ é, sobretudo, lembrar. Lembrar daqueles que partiram, daqueles que sobreviveram, daqueles que trabalharam incansavelmente para salvar vidas e trazer algum conforto aos que ficaram. É uma tentativa de dar um sentido, ainda que mínimo, àquilo que parece inexplicável. É contar uma história que precisa ser ouvida, para que o impacto dessa noite seja reconhecido e jamais esquecido.

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Sobrevivente

A médica Célia Rocha, com 51 anos à época, esteve presente no fatídico voo, voltando do interior do estado onde havia ido participar de reuniões visando a melhoria na saúde de Cruzeiro do Sul e no dia 30 de agosto se preparava para voltar ao lar.

A médica pneumologista Célia Rocha foi uma das sobreviventes do acidente/Foto: Célia Rocha

Rocha revela que, mesmo tendo vivenciado o, atualmente, segundo maior desastre aéreo do estado do Acre, nunca teve pesadelos ou encarou o fato com pesar.

Conta ainda que, entre idas e vindas à São Paulo para o tratamento, foram cerca de 1 ano e 8 meses até que sua recuperação estivesse completa, com inúmeras cirurgias no processo.

No dia do ocorrido, o atendimento inicial foi feito ainda no Hospital Santa Juliana, segundo consta documentação, após isso foi transferida ao 9 de Julho, localizado na cidade de São Paulo.

No documento é dito que, ainda em solo acreano, foi tratada de diversas lesões que de risco imediato, que poderiam levá-la à morte.

No documento consta que a médica tinha fraturas nas costelas, com ruptura de pleuras bilateral, que foram feitas drenagens no tórax, em ambos os lados, ruptura de baço, que precisou ser removido, além da sutura de um grande ferimento em sua cabeça.

Além disso, foram constatadas fraturas nos dois pés, luxação e lesão nos ligamentos de joelhos e fraturas complexas na face.

A trajetória de luta pela vida de Célia Rocha não terminou ao se recuperar dos danos causados pelo acidente aéreo. Depois de um ano e meio da recuperação, a sobrevivente enfrentou ainda mais uma batalha, desta vez contra o câncer de mama, descoberto por ela mesma através do autoexame.

Rocha diz ainda que as experiências vividas também se transformaram em livro, chamado Vida – força, fé e garra.

A médica decidiu relatar as experiências vividas através de seu livro/Foto: reprodução

“Este livro não é um desabafo, uma simples lembrança do passado nem um tratado sobre a força libertadora da fé, é celebração mesmo da vida. Acho que a tragédia que me colocou diante do absoluto desconhecido da morte, me dá a licença de contar para os outros o que vivi antes, para viver novamente, e começar de novo celebrando o que me foi devolvido”, disse ela em trecho do livro.

Por fim, ela diz ainda que depois de conversar com amigos e de fato lançar o livro, a nova etapa vivida por Rocha, após se recuperar do incidente e do câncer, marcava um recomeço.

“O que vivo hoje é o início de outra vida, chance que Deus me deu e quero compartilhá-la com todos os que encontro nesse caminho”, encerrou.

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