Às margens de um dos maiores rios do Brasil — o Madeira — famílias ribeirinhas vivem com menos de 50 litros de água por dia em razão da seca histórica e a estiagem extrema que atinge Rondônia. A quantidade é menos da metade dos 110 litros por dia considerados pela Organização das Nações Unidas (ONU) como necessários para suprir as necessidades básicas de uma pessoa.
“Hoje mesmo foi um dia que ninguém pegou água aqui. A gente tá com a água que veio ontem ainda. Ontem veio um pouco de água e a gente guardou, porque tem dias que não vem”, disse o ribeirinho Raimundo Souza, morador do distrito de São Carlos.
Neste sábado (31), a média observada no Madeira foi de 1,26 metro, quando deveria estar em 4,28 metros, ou seja: o rio está mais de dois metros abaixo do que era esperado.
O nível do Madeira é monitorado desde 1967. Nesses quase 60 anos, nunca houve uma seca tão severa, sobretudo nos meses de julho e agosto. Historicamente, o nível do rio deveria chegar a níveis baixos somente nos meses de setembro e outubro.
A falta d’água afeta diretamente a população. Em São Carlos, para atender ao menos as necessidades básicas, os moradores da comunidade precisam adotar medidas extremas, como fazer buracos no chão para extrair água.
“Às vezes a gente precisa abrir um buraco para apanhar um pouquinho de água pra poder lavar uma louça, tomar um banho. E é contado, a situação pra nós tá difícil”, revela Raimundo.
Na comunidade Maravilha 2, zona rural de Porto Velho, famílias estão racionando água. Nesse período de seca extrema, o “cacimbão” (o poço que abastece as casas), está quase seco. Antes, ele marcava um nível constante de aproximadamente meio metro, hoje os moradores contam com apenas 10 centímetros ou menos.
“Tem 40 anos que a gente mora aqui, nunca tinha secado desse jeito, esse ano é que secou assim. A gente pega um pouquinho, depois pega outro, porque se pegar de uma vez vai secando”, revelou Antônio Nogueira, morador da comunidade.
Outra dificuldade apresentada pela comunidade do Maravilha 2, é a baixa qualidade da água. Ao armazenar as garrafas, os moradores precisam coar a água com uma toalha.
“Eu tenho medo de ficar bebendo essa água. Eu peguei uma infecção de urina que até hoje eu não fiquei boa”, disse Liete Torres, moradora da comunidade.
Para auxiliar no tratamento da água consumida por ribeirinhos e moradores da zona rural, já que eles não têm acesso à água encanada, a Defesa Civil Municipal de Porto Velho distribui kits de hipoclorito de sódio, uma substância que “limpa” a água que agora está sendo consumida pela população.
Atualmente, existem 52 comunidades ribeirinhas em Porto Velho, às margens do rio Madeira. São quase 1,5 mil quilômetros de extensão em água doce. Ainda assim, os ribeirinhos não possuem acesso à água tratada e encanada.
Segundo a Defesa Civil, os ribeirinhos são os mais afetados pela seca em Porto Velho. As comunidades são divididas em três regiões: Alto, Médio e Baixo Madeira.
Menores níveis da história
Segundo dados do Sistema Integrado de Monitoramento e Alerta Hidrometeorológica do Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), em agosto o Rio Madeira bateu uma sequências de mínimas históricas, mais especificamente desde o dia 24 até o dia 31.
A situação foi semelhante no mês anterior: recordes de seca para o período, com níveis mínimos históricos. No último dia 31 de julho a água baixou a 2,45 metros, o nível mais baixo já registrado no mês desde que o monitoramento passou a ser feito pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB)
Na maior parte do ano o rio se manteve abaixo da zona de normalidade e por várias vezes ultrapassou as mínimas já observadas historicamente.
O Madeira abriga duas das maiores usinas hidrelétricas do Brasil: Jirau e Santo Antônio, que representam cerca de 7% da capacidade de geração do sistema elétrico brasileiro. As duas fazem parte do Sistema Interligado Nacional (SIN) e geram energia para todo país.
A ANA já admitiu a possibilidade de paralisação da hidrelétrica de Santo Antônio por causa da seca. O risco se deve ao funcionamento da usina, em formato de “fio d’água”, que não armazena muita água em seu reservatório e depende do fluxo do rio para manter as turbinas em funcionamento.