Justiça homologa TAC 3 do Comperj, que transfere implantação de parque da Petrobras ao governo do RJ

Estado se compromete a desapropriar fazendas e restaurar área, enquanto gestão da unidade de conservação ficará com a prefeitura de Guapimirim

Quando plenamente implantado, o parque funcionará como zona tampão para mitigar (atenuar) os impactos ambientais negativos do Gaslub (ex-Comperj) sobre duas unidades de conservação (UCs) federais – Área de Proteção Ambiental (APA) Guapi-Mirim e Estação Ecológica (Esec) Guanabara, que abrigam quase metade dos remanescentes de manguezais do Estado do Rio de Janeiro. Além de ecossistema vital para a reprodução de espécies marinhas, o manguezal protege a linha costeira de eventos climáticos extremos, como ressacas, cada vez mais intensos e frequentes.

Seas-RJ e Inea obrigam-se no novo TAC a apoiar técnica e financeiramente o município de Guapimirim na elaboração do plano de manejo, sinalização e demarcação do PNMAG. Mais que isso, o Estado do Rio de Janeiro assumiu no acordo com o MPRJ e a prefeitura de Guapimirim a responsabilidade pela desapropriação dos 2.525 hectares onde o parque deverá ser implementado. Até maio passado, o governo fluminense relutava em assumir tal encargo, alegando que a responsabilidade pela desapropriação era do município de Guapimirim, que se recusava a aceitar esse compromisso, alegando não possuir orçamento para pagar as indenizações aos donos das fazendas existentes na área do parque. Após a desapropriação dos imóveis, o Estado repassará a posse do terreno à prefeitura, que responderá pela gestão do parque, incluindo pagamento de funcionários e manutenção da UC. A propriedade da área, contudo, será do Estado.

Pelo acordo firmado com o MPRJ, a Seas-RJ e o Inea poderão utilizar integralmente o saldo da conta específica do FMA-RJ relacionada ao Termo de Compromisso (TC) nnº LI IN 001540.35.02.2013, firmado em dezembro de 2013 entre Petrobras e Inea, no apoio financeiro à elaboração do plano de manejo, regularização fundiária, sinalização e demarcação do parque. Há pouco mais de R$ 7 milhões nessa carteira em decorrência do rendimento da aplicação financeira do montante de R$ 4 milhões depositados pela empresa em 2015 para quitar o TC de 2013. O novo TAC também obriga o Estado a “envidar esforços para a utilização de outros recursos depositados na carteira de compensação ambiental do FMA, mediante apresentação e aprovação, pela Câmara de Compensação Ambiental – CCA, do respectivo projeto, ou, ainda, de outras fontes de custeio, obedecendo às regulamentações específicas do mecanismo financeiro”.

Em complemento ao TAC 1 do Comperj (atual Gaslub), assinado em 2019, o novo acordo estabelece critérios para a execução de projetos de restauração florestal a serem seguidos pela Seas-RJ e INEA, como o de priorizar esforços para a promoção de ações de restauração ecológica no Parque Águas e nas faixas marginais de proteção das sub-bacias hidrográficas dos rios Caceribu e Macacu, que margeiam o Gaslub e deságuam na Baía de Guanabara.

Embora presentes em reuniões que discutiram as bases para o novo TAC, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Ministério Pùblico Federal (MPF) em São Gonçalo (RJ) preferiram não assinar o documento. Para Breno Herrera, gerente regional do Sudeste no ICMBio, “a celebração deste TAC é um avanço em relação à implantação do Parque Natural Municipal das Águas de Guapimirim”. Entretanto, ele diz que o acordo não promove avanços significativos quanto à restauração florestal das matas ciliares dos rios Macacu e Caceribu, “ação imprescindível para a mitigação dos impactos do empreendimento sobre o regime hidrológico local”, critica Herrera, completando: “A efetiva manutenção dos atributos ecológicos da APA Guapimirim e da Esec Guanabara, localizadas à jusante do empreendimento, depende desta restauração, antes do início de operação do empreendimento. Por esta razão, acompanharemos a implementação do TAC, mas optamos por não o assinar.”

O gerente do Sudeste no ICMBio refere-se ao início de operação da refinaria de gás natural do Gaslub. Como mostrou ((o))eco na reportagem “Governo do RJ concede licença à Petrobras, ignorando descumprimento de condicionantes no Gaslub”, publicada no último dia 8, a Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) concedeu a licença de operação e recuperação (LOR) para as unidades de utilidades da planta de gás natural (UPGN) na reunião do colegiado realizada em 6 de agosto. Nas unidades de utilidades, serão gerados insumos como água tratada, vapor e energia elétrica para a UPGN no megaempreendimento da Petrobras localizado em Itaboraí, no leste fluminense. Tudo indica que a Ceca concederá em breve a licença de operação (LO) à UPGN, atropelando novamente o licenciamento ambiental, mas agora podendo se valer do TAC 3 do Comperj para justificar o voto favorável da maioria dos membros do colegiado, ligados ao governo estadual.

O procurador da República Marco Mazzoni, que conduz investigação a respeito do descumprimento de obrigações do licenciamento ambiental do Comperj pela Petrobras, esclarece por que o MPF decidiu não participar do TAC 3. “A instituição tem uma postura externa justamente para perceber se as medidas adotadas para o licenciamento atenderão aos critérios federais dos bens afetados, como o caso de medidas efetivas para reflorestamentos. Participar de um ato sem transformação da realidade seria inefetivo. Mas já sugerimos que o ICMBio e IBAMA poderão apresentar as áreas pertinentes para receberem o reflorestamento.”

O promotor Tiago Veras preferiu não responder ao questionamento da reportagem sobre a ausência da Petrobras nas reuniões que discutiram as bases do novo TAC. Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Itaboraí, Veras tem liderado o acompanhamento do cumprimento dos TACs do Comperj pelo MPRJ.

Contexto

A condicionante 30.2 da licença prévia (LP) do Comperj tem sido vítima de um jogo de empurra entre Petrobras, Inea e prefeitura de Guapimirim, cidade vizinha a Itaboraí, como mostrou a reportagem publicada pelo ((o))eco a respeito do assunto em 8 de agosto passado. Inicialmente, a estatal descumpriu a 30.2, que a obrigava a comprar, reflorestar e promover a manutenção de uma área de 2.525 hectares para servir de zona tampão, mitigando (atenuando) os impactos ambientais negativos do Comperj sobre a APA Guapi-Mirim e a Esec Guanabara.

Em vez de tomar providências administrativas e judiciais e negar a concessão da licença de instalação (LI) à Petrobras, o Inea transformou a obrigação original ao averbar a licença de instalação (LI) IN001540/2009 em março de 2012 para incluir a condicionante 35, que afrouxou a condicionante 30.2 da LP. A condicionante 35 mudou radicalmente o compromisso descumprido da 30.2 ao prever apenas um genérico apoio financeiro e técnico da empresa ao poder público na implantação e manutenção da zona tampão. Não há até hoje esclarecimento público da Seas-RJ e do Inea para tal modificação.

A Petrobras foi novamente favorecida pelo Inea no Termo de Compromisso (TC) nº LI IN 001540.35.02.2013 assinado em dezembro de 2013. O documento definiu em R$ 4 milhões o valor do apoio financeiro da empresa e ignorou a previsão de suporte técnico constante na condicionante 35 da LI IN01540/2009. Não se conhecem até hoje os critérios que o Inea utilizou para fixar um valor anos-luz distante do mínimo necessário para desapropriar, implantar, restaurar e promover a manutenção do parque, que se encontra totalmente desmatado por causa das pastagens lá existentes. Tivesse cumprido a condicionante original do licenciamento, a 30.2 da LP, a companhia deveria ter desembolsado mais de R$ 200 milhões, mais uma verba anual de custeio da manutenção do Parque Águas.

Estima-se que o custo para desapropriar a área não fique abaixo de R$ 30 milhões. Sua restauração pode ultrapassar a cifra de R$ 200 milhões, se considerarmos uma conta proporcional à usada para monetizar as obrigações de restauração florestal da empresa no TAC 1 do Comperj, assinado em agosto de 2019. A Petrobras depositou R$ 396 milhões no FMA entre 2019 e 2020 para custear a restauração florestal de 5.000 hectares prioritariamente na bacia hidrográfica onde o Gaslub (ex-Comperj) encontra-se instalado, cumprindo determinação do TAC 1.