O novo livro dos cientistas políticos Carlos Pereira e Marcus André Melo, “Por que a democracia brasileira não morreu?”, traz conclusões polêmicas dos autores sobre a efetiva ameaça à ordem democrática pelo governo Jair Bolsonaro, investigado no STF por planejar um golpe após ser derrotado nas urnas.
Baseados em avaliações sobre instituições sólidas e um emaranhado institucional que, em sua visão, funciona como freio a populismos e golpismos, os autores concluem que a ameaça não foi tão latente quanto pareceu, apesar de reflexos como o 8 de Janeiro.
Em entrevista à coluna, Carlos Pereira, professor da FGV, detalha por que vê com ceticismo, em perspectiva, a possibilidade que um golpe fosse dado por Bolsonaro, mesmo que houvesse apoio militar a uma aventura fora das quatro linhas da Constituição.
Baseados em avaliações sobre instituições sólidas e um emaranhado institucional que, em sua visão, funciona como freio a populismos e golpismos, os autores concluem que a ameaça não foi tão latente quanto pareceu, apesar de reflexos como o 8 de Janeiro.
Em entrevista à coluna, Carlos Pereira, professor da FGV, detalha por que vê com ceticismo, em perspectiva, a possibilidade que um golpe fosse dado por Bolsonaro, mesmo que houvesse apoio militar a uma aventura fora das quatro linhas da Constituição.
Na conversa, o cientista político também explicou dois momentos que, conforme o livro, foram decisivos ao governo Bolsonaro, a influência política da Operação Lava Jato na ascensão do populismo bolsonarista e o protagonismo político da Justiça, sobretudo do STF e do Ministério Público.
Vocês realmente não viram essa ameaça toda do governo Bolsonaro? Qual é o ponto de vista de vocês no livro?
A democracia brasileira sofreu uma intercorrência, que foi a eleição de um presidente com perfil populista, de extrema-direita e que teve um mandato marcado por uma estratégia de confronto com as instituições democráticas, tendo as instituições democráticas como arenas adversariais do seu governo.
Isso gerou muitas preocupações, alimentadas não só pelo caso brasileiro, mas por várias experiências internacionais, com presidentes de perfil populista, sejam eles de esquerda ou de direita, na América Latina e no mundo, nos Estados Unidos, na Itália, na Turquia, na Polônia, na Venezuela.
Vários desses presidentes foram eleitos e, uma vez no poder, alguns deles foram muito bem-sucedidos na concentração de poder e na fragilização das organizações de controle que supostamente deveriam oferecer limites a esse presidente poderoso.
E toda a ciência política começou a se debruçar sobre isso. Tivemos um livro que foi best-seller, traduzido para o português, escrito por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, “Como as democracias morrem”, inclusive o título do nosso livro é uma reação a essa publicação.
A grande gama de autores que, a partir da eleição de populistas, filiam-se a essa literatura de erosão democrática parte do pressuposto de que essas instituições dos respectivos países e as sociedades seriam vítimas indefesas desses agressores, desses populistas.
Como se as instituições de cada país ou o grau de organização de cada sociedade não pudessem oferecer resistências e resiliências eficazes a potenciais ameaças. Então, nesse livro, particularmente, argumentamos, não é que a democracia brasileira e as instituições fossem fortes.
Elas são o que são, o próprio desenho do sistema político brasileiro gera antídotos eficazes contra populistas. Ou seja, o sistema político é dotado de uma série de pontos de veto muito fortes, tanto na esfera partidária como na esfera institucional.
Temos várias instituições com capacidade de veto, como Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, controladorias, federalismo, governadores, constituições estaduais, assembleias legislativas, Congresso.
São tantos pontos de veto dentro de um sistema político como o brasileiro, que é praticamente impossível que um populista consiga galvanizar energia suficiente dessas instituições e possa amalgamar um projeto autoritário.
Então, não era porque as instituições políticas brasileiras eram fortes ou fracas, ou se elas estavam funcionando ou não, mas porque o próprio desenho institucional do sistema político brasileiro capacita o Brasil a se precaver contra arroubos autoritários.
Isso, por um lado, é muito positivo. É bom que se reconheça também, analisamos no livro, que, por outro lado, todos esses pontos de veto geram problemas governativos.
A gente vive no Brasil um sistema presidencialista multipartidário em que o presidente não dispõe de maioria legislativa e, consequentemente, o processo governativo é truncado, ineficiente, é visto por uma parcela considerável da população brasileira como um jogo sujo.
Isso gera um mal-estar na sociedade, um distanciamento do eleitor perante os políticos, porque ele não entende muito bem como é que partidos políticos ou lideranças políticas que eram fiéis escudeiros do governo anterior passem a ser fiéis escudeiros do novo governo.
Isso soa esquisito para muitos brasileiros e gera desconfiança, gera a percepção de que o sistema é ineficiente e não resolve os problemas do brasileiro.
Mas, mesmo diante de tamanha ineficiência ou da percepção de que o jogo está sendo jogado de uma forma não limpa, ele cria essas barreiras de proteção, mecanismos institucionais que tornam a vida de qualquer populista, de esquerda ou de direita, muito mais difícil do que se o sistema fosse majoritário e unificado, em que não existissem vetos institucionais dentro do próprio jogo.
Não havia um empenho do então presidente de fazer essas sistemas falharem? Se os três comandantes militares tivessem topado uma aventura golpista com Bolsonaro, embora não houvesse ambiente para uma ditadura, isso já não seria suficiente para balançar a democracia?

